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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

20/02/2022 07:00

Aos sábados, depois do almoço, era dia de ir à venda do senhor Joaquim, que era a maior da freguesia, mas não ficava perto.

E se para baixo todos os santos ajudavam, para cima era uma penitência, sobretudo por causa da ladeira. E se os sacos pesassem um pouco mais do que o previsto, só a água da fonte do miradouro aliviava os vincos vermelhos que as alças deixavam nas mãos.

Era uma responsabilidade levar as faltas da semana devidamente apontadas num papel e ter de tomar decisões quando não havia um ou outro artigo. O velho balcão de madeira do lado da mercearia parecia não ter fim. Do outro lado, paredes meias, os homens reuniam-se para beber um copinho e confraternizar. Não é que estivesse interdito ao sexo feminino, mas era raro ver uma mulher do outro lado. E se, porventura, tal acontecesse fazia-se silêncio absoluto.

Havia ainda um armazém com os eletrodomésticos, que estavam reservados para alturas mais solenes, como o Natal ou quando havia algum desafogo financeiro. Foi lá que os pais compraram a velhinha televisão a cores, da Philips, uma das primeiras da aldeia, que atraia vizinhos em romaria, sobretudo à hora da novela.

A venda do senhor Joaquim não tinha corredores como nos supermercados, que à data só existiam na cidade, e ninguém se servia diretamente. O outro lado do balcão era sagrado e os pedidos iam sendo feitos, artigo a artigo, como numa ladainha e amontoando por ali. Sabão, o velho champô Foz, massa insular, manteiga, óleo. Não havia muita opção, mas não faltava nada. Depois era fazer a conta, repetindo o nome de cada produto em voz alta. Era admirável a forma desenvolta com que este ritual se passava, sobejando tempo para intercalar conversa. O papel com os valores de cada artigo era sagrado e não se podia perder pelo caminho. A conta ia para o caderninho dos fiados e depois o pai passaria para os acertos.

Em dias de sorte, o senhor Joaquim, que andava na distribuição da ração das galinhas e dos porcos, dava boleia para casa e era um alívio não ter de subir a ladeira, sempre com medo de ser atacada por um cão mais matreiro. Eram simples aqueles sábados e é impossível passar à porta da velha venda e não sentir uma pontinha de saudades.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

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