Imagine o leitor que pôs, a custo, um dinheirinho de lado. Difícil, eu sei, nos dias de hoje e tal, mas imagine que consegue, ou que que lhe cai algum nas mãos. Que fazer com ele?
Em Portugal, qualquer opção de investimento através dos bancos ou Certificados de Aforro implica apenas perder menos dinheiro para a inflação, já que este é um país de violentos invejosos que não aceitam que se tenha lucro. Votam sempre por quem promete impostos e mais impostos sobre todo e qualquer tipo de investimento financeiro ou lucro. Poupar é para ogres asquerosos, mas poupar para investir é equiparado, em Portugal, ao fratricídio cometido por Caim. A condenação ao Inferno é pouco para tal crime. O destino de todo e qualquer esforço individual deve ser o que o estado decidir ser a causa beneficente da estação.
Se o leitor — que espero ainda se lembrar do meu pedido inicial — considerar investir esse dinheiro na construção de um pequeno prédio para arrendar e ter algum retorno do seu investimento, será avisado ter em conta alguns factores. Indeciso entre o aluguer mais em conta, ou na aposta em algo mais luxuoso e, logicamente, mais caro, o leitor fará contas: depois adquirido o terreno (custa dinheiro), é preciso fazer o projecto (mais dinheiro) e fazê-lo passar pelo preliminar crivo do burocrata, encastelado nos tomos de regulamentos. Isto demora, porque é preciso defender a plebe dos laminados de segunda, da ausência de bidé de todo e qualquer lavabo no edifício, ou, entre outras bem-intencionadas picuinhices, prover todos os fogos do edifício possam acolher pessoas de cadeira de rodas (porque gente em cadeira de rodas há a rodos, decerto). Se o leitor que investe não tiver já cedido à tentação de untar a mão do burocrata para que — milagre! — afinal tudo (ou quase) seja escrutinado de forma célere, terá de esperar alguns anos pela minuciosa análise da conformação do projecto às torres de regulamentos. Isto pode demorar (ou demora) anos; anos em que o investidor tem de pagar impostos sobre a propriedade, manter a mão-de-obra de reserva, etc.
Quando finalmente lhe disserem que pode avançar, mas que tem de usar portas de maciço pinho em vez de aglomerados, balcões de cozinha mais caros, aumentar o tamanho ao segundo lavabo de cada fogo, etc., etc., o volume do investimento necessário, somado aos medicamentos para a tensão, úlceras e dores de cabeça que terá de tomar, fá-lo-ão pensar duas vezes. Ou se deixa dessa coisa de investir e enfia o dinheiro debaixo do colchão (ou Certificados de Aforro, se o leitor não apreciar eufemismos), ou junta o que poupou ao de outros e desenvolvem, em vez de um grupo de fogos a rendas aceitáveis, um empreendimento de luxo, em que todos regulamentozinhos se cumprem, de certeza, mas pelos quais se pode obter um retorno condizente, ou seja, rendas para endinheirados.
Eu nunca investi, mas se pudesse, neste país, não investia em alojamentos de renda comportável pela classe média. O ambiente regulatório é adverso; o ambiente social é adverso (“porco capitalista!” ou “deve ser roubado!”); o ambiente fiscal é adverso (para qualquer tipo de investimento, diga-se). Se juntarmos a estes factores nocivos a insegurança sobre a propriedade, seja por não haver garantia de que a nossa propriedade seja bem tratada, como porque a lei portuguesa não protege o proprietário, dificultando sobejamente o despejo do inquilino que destrói ou não paga o que é devido.
E o leitor? Investia em habitação nestas condições?