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Artigo de Opinião

31/12/2026 19:00

O Subsídio Social de Mobilidade (SSM) não nasceu por acaso, nem por generosidade circunstancial de um Governo. Nasceu da necessidade de acomodar uma obrigação de serviço público de continuidade territorial, reconhecida no direito europeu e assumida pelo Estado português para com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, após a imperativa liberalização do transporte aéreo de passageiros. É isso que resulta, de forma cristalina, do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 41/2015, de 24 de março, que enquadra o regime no artigo 16.º do Regulamento (CE) n.º 1008/2008, relativo às obrigações de serviço público no transporte aéreo.

Ao mesmo tempo que se liberalizava o mercado e se fomentava o turismo, o Estado assumiu que não podia deixar para trás quem vive nas ilhas. O SSM surgiu, precisamente, como o instrumento que permite compatibilizar concorrência e coesão territorial, assegurando que madeirenses e açorianos possam circular no seu próprio país em condições minimamente equiparáveis às dos restantes portugueses.

O Decreto-Lei n.º 37-A/2025 e a Portaria n.º 138/2025, já do Governo Montenegro, representaram um avanço importante. Clarificaram beneficiários, reduziram encargos diretos e aproximaram o sistema do que sempre foi defendido pelo Governo Regional da Madeira e prometido pela Aliança Democrática- PSD/CDS. Hoje, um residente na Madeira suporta apenas 79 euros por viagem, um estudante 59 euros, com um teto máximo de 400 euros ida e volta (ou 500 euros no caso do Porto Santo). Mais ainda: ficou prevista uma plataforma eletrónica que permitirá eliminar o absurdo do adiantamento de verbas pelos passageiros.

Tudo isto foi progresso. E é precisamente por isso que a proposta de revisão agora apresentada é tão grave.

Introduzir como condição de elegibilidade a inexistência de dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social é um absurdo político, jurídico e moral. O SSM não é um subsídio individual clássico, como uma prestação social sujeita a prova de rendimentos ou a certidões de não dívida. Os beneficiários não são os utilizadores individualmente. É um instrumento coletivo de cumprimento do serviço público de continuidade territorial, ancorado no princípio constitucional da solidariedade entre o Estado e as Regiões Autónomas, tal como as transferências previstas na Lei das Finanças Regionais.

Quando o Estado isentou as portagens nas SCUT para apoiar o desenvolvimento das regiões do interior, exigiu certidões de não dívida aos utilizadores? Quando financia passes sub-23 ou seniores, impede alguém de entrar no autocarro ou no comboio por ter dívidas ao fisco? Quando paga o serviço público de televisão, corta o sinal a quem deve à Segurança Social? O ridículo tem limites!

Já agora, e as viagens de trabalho? Ficará uma entidade patronal prejudicada pela putativa situação em que um funcionário se esquece de pagar a água, em que o relaxe é cobrado pela AT, e que conta como dívida fiscal?

O SSM existe para garantir mobilidade, não para funcionar como instrumento coercivo de cobrança fiscal. Confundir estas dimensões é tratar cidadãos das Regiões Autónomas como portugueses de segunda, condicionando um direito estrutural à sua situação contributiva individual.

Igualmente incompreensível é a divisão artificial do teto máximo de 400 euros em 200 euros para a ida e 200 euros para o regresso. Esta alteração retira flexibilidade aos passageiros, impedindo-os de gerir uma ida mais cara e um regresso mais económico, algo absolutamente comum num mercado liberalizado e sujeito à volatilidade tarifária.

O Governo da República, do meu partido, esteve mal. Muito mal. Esta proposta de portaria, que mais parece uma “porcaria legislativa”, trai o espírito do diploma de 2015, contraria a lógica do decreto-lei de 2025 e fere o princípio da coesão territorial. Não reforça a justiça, cria desigualdade. Não protege o interesse público, enfraquece-o.

O Subsídio Social de Mobilidade não é um privilégio. É a materialização de um dever do Estado. E essa proposta só tem um destino digno: o lixo legislativo.

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