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Artigo de Opinião

Advogada

15/04/2022 08:00

O tempo é de recolhimento e gratidão. Assim nos ensina a Igreja Católica, mas sobretudo a vida.

Há muito que quero agradecer, no espaço para o qual me sugeriu, ao Raul, que me apresentou e aos responsáveis por este matutino que, já há alguns anos, me mantêm por aqui com total liberdade de expressão, mesmo as mais regionalistas. As imposições de carateres, que faço por cumprir estritamente, têm me levado ao adiamento da manifestação de gratidão que, hoje, não deixo passar. Obrigada a todos os responsáveis e à Maria Filipe.

Feito que está o introito que há muito se impunha tem a palavra o pé de inhame.

Iguaria apreciada por uns, abominada por outros, existe de sequeiro e aqueles que proliferam em terrenos aquosos, pelo menos é assim que os conheço, já que os meus conhecimentos, nesse campo, não dão para mais. É um tubérculo na moda pelos amantes da dieta proteica, mas este inhame o que vos falo, é pascal, gordo, grado e teimoso.

Se para alguns o cabrito é a comida típica desta época, para outros, sobretudo nas zonas rurais o inhame é rei.

Na minha zona, que para quem não sabe é a Ponta do Sol, existe uma zona perfeita para o cultivo de inhame: o Bacelo ou a Rocha da Madalena, muitas vezes em poios tão inacessíveis e perigosos que muita gente, esta que vos escreve inclusive dirá: "a minha alma vai, mas o meu corpo não". Mas, a bem dos corpos que não vão, há quem, ainda hoje, se aventure feito lagartixa, pela rocha, com vista vertical para a Madalena do Mar, sem parapente, para que não falte o inhame nos pratos tradicionais desta Sexta-Feira Santa.

Há muitos anos o inhame era nos oferecido, cozido, por uma familiar do Outeiro, mas quando ela faltou pude testemunhar, lá em casa, a cozedura do tubérculo grado, gordo e teimoso. O desgraçado depois de lavado e cortadas as pontas era colocado em grandes panelas de água a ferver e ali ficava, no forno a lenha (ou a gás para os menos pacientes) durante pelo menos vinte e quatro horas. Eu não disse que o peste era teimoso?

O bafo que saía da cozinha lenha não era doce, sequer agradável como o dos doces de Natal ou da batata, também ela doce, era como se um pelotão da tropa estivesse a tomar banho de água quente ao mesmo tempo e durante mais de um dia.

De hora a hora tornava-se imperativo acrescentar alguns litros de água ao panelão de que todos comeriam, não esse, o do inhame, mesmo. Durante a noite eram formados turnos e, com um pouco de batota, a hora podia, muito bem, se transformar em duas, com os grados teimosos a rolar, rebolar, mergulhar, duros, a resistir.

Raiando o dia o inhame começava a dar de si e como "água mole em pedra dura", para o inhame água fervente em inhame teimoso tanto dava, até que amolecia. Estava pronto o ingrediente principal do feriado mais triste e cinzento do ano. Aquele em que não se podia ver televisão, ouvir música, cantar, fazer a barba, ou sequer abrir as janelas.

Mudaram-se os tempos, mudaram-se as modas, lá se foi o inhame, que tal como o brindeiro da minha tia Matilde, povoa agora apenas as minhas memórias gustativas. Assim perdure, pelo menos, a memória.

Boas Páscoas e gratidão.

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