A cidade representa a promessa do bem-estar, traduzido em melhor oferta educativa, mais cultura e lazer, mais trabalho, empregos melhor remunerados, crescente qualidade urbanística e habitacional. O pulsar das cidades é irresistível, apesar das suas contradições.
O triunfo das cidades, tudo indica, é irreversível! Por isso, deixemo-nos de lirismos e floreados: correndo o risco de ser politicamente incorreto, de futuro as cidades vão crescer, à mesma velocidade das promessas de que é preciso fazer mais para fixar as pessoas no "campo".
A concentração urbana é uma inevitabilidade. E é uma realidade global à qual a Madeira não escapa. Atualmente, os três concelhos com maior densidade urbana (Funchal, Santa Cruz e Câmara de Lobos) já detêm 72% da população. Em 1960 eram 58%. O futuro não será diferente: serão sempre mais os que querem "fugir" do "campo" para a cidade, do que o inverso. E se os pais não o fizeram, os filhos fá-lo-ão!
Na crónica que assinei neste matutino a 18 de outubro, sustentei que, face a esta vertigem cosmopolita, o "campo" não pode ser reduzido a uma reserva para "inglês ver". No "campo" ainda resistem sonhos, ainda persistem pessoas. Cada vez menos, é certo! Em todo o caso, por poucos que sejam, serão sempre essenciais. Por menos que venham a ser, serão indispensáveis para preservar a maior riqueza: o património natural e as paisagens humanizadas! E já agora, parte significativa das couves e das "semilhas" que alimentam as nossas mesas.
Apesar da inegável singularidade e qualidade das nossas cidades, facto é que são as paisagens agrícolas e o património natural os maiores ativos da Madeira. E não sou só eu quem o diz. O documento da "Estratégia para o Turismo da RAM - 2022/2027" também os identifica entre os pilares estratégicos para o desenvolvimento turístico.
Julgo não ser fácil apurar o valor económico real dos ecossistemas naturais e das paisagens agrícolas e humanizadas do "campo", para a nossa economia e, em particular, para o turismo. Em todo o caso, não será exagerado especular que estes recursos são tão ou mais decisivos para o sucesso e riqueza da Região, quanto a premiada qualidade dos nossos hotéis, a distinção dos nossos cartazes turísticos ou exclusividade dos novos condomínios das nossas cidades.
E o ponto é este: sendo certo que o cosmopolitismo e a indústria turística são beneficiários da diversidade e riqueza paisagística da Região, qual o valor acrescentado direto do turismo para a preservação das nossas paisagens naturais e agrícolas e para a sustentabilidade futura do "campo"?
Dir-me-ão os especialistas que o turismo representa mais de um terço da riqueza e do emprego. E eu, que também leio jornais e estatísticas, tendo a concordar. Mas como diz o "vilhão": a água corre sempre para o mar.
As nossas paisagens e reservas naturais, as levadas e os trilhos, os miradouros e promontórios, os poios e os socalcos, são elementos distintivos da marca «Madeira». São ativos que conferem exclusividade ao produto turístico. São as maravilhas que o "campo" proporciona para o "inglês ver".
Ora, nestas coisas, não há pão para malucos. Mantendo-se o ciclo natural das coisas, para que se assegure a sustentabilidade do "campo" e das suas riquezas, das duas uma: ou, a cidade vai se comprometer com as enxadas e com os estrumes, e avergar o serrote (coisa que não acredito); ou, para o "inglês ver" vai ter de passar a pagar.
O Cabo Girão, a Eira do Serrado, as levadas, o Fanal e tantos outros locais, são, para a região, o que o Louvre é para Paris ou o Prado é para Madrid: exclusividade e singularidade. E isso paga-se, ou devia!