MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

29/06/2025 03:30

Gosto deles não sei bem por que razão. Gosto daqueles velhinhos que assumem que são velhos e usam barreta aos quadradinhos de Verão e de Inverno e falam com calma, cheios de verdades. Gosto daquelas velhinhas sumidinhas nas suas batas enxadrezadas de andar por casa, atarefadas com o almoço, com a loiça por lavar e com a roupa por deitar a secar.

Aprendi muito com eles e ainda aprendo. Já vão sendo raridades. Agora, as velhinhas, muitas, pintam o cabelo e vestem-se como pequenas novas. Os velhinhos sempre são mais resistentes. Gosto das suas conversas a transbordar de experiência num tempo que já não é o tempo deles, num espaço onde já não se encaixam, mas onde dantes davam cartas.

“O pai é um velhinho lindo” – dizia eu. O termo “velhinho” é de respeito e encaixa com tanto carinho nestas aves raras. “Velho é um trapo” e os velhos não são trapos. Da mesma maneira que chamar “preto” a alguém, no meu tempo, já era ofensivo, mas se fosse “pretinho”, o caso mudava de figura e até era uma forma carinhosa de nomear aquela pessoa que é igual à gente, menos na cor. “Deus deitou os pretinhos no mundo para ver o coração dos brancos” - ditos de minha mãe que queria que eu fosse amiga de toda a gente, embora se lamentasse por eu não ter ronha nenhuma nem enxergar maldades atrás de caras lindas. Quando se via um pretinho, naquele tempo, dávamos um beliscão na parceira do lado e dizíamos “gosto” e batíamos na madeira ou num objeto de cor preta. Em 24 horas, não falharia em chegar à nossa vida um gosto maravilhoso, só por causa de avistar o “pretinho”. Não sei quem inventou este passo, mas era assim.

Os velhinhos sem papas na língua sabem muito e são teimosos, não querem ajuda e acham que podem governar a sua vida sozinhos. Se não conseguirem, não faz mal, o que não se tem escusa-se.

Há conversas que esses homens e mulheres antigos diziam e que não esqueci, há também costumes no governo de episódios do quotidiano que ficaram comigo. O primeiro exemplo é do Senhor Doutor Óscar de Brito, médico pediatra, que eu conheci quando ele já era bem velhinho e eu muito jovem com o meu filho bebé. “A mãe é o primeiro médico do seu bebé. O que acha que tem o seu bebé?” – dizia ele. É verdade. Há uma ligação tão forte, tão singular, entre estes dois entes de Cristo. Uma mãe sabe, e se não sabe, o dedo mindinho há de lhe dizer. É preciso é calma.

O outro exemplo é do primo Raul, o mestre mecânico da oficina d’acolá de baixo, mas que agora já não é dele. Ele perguntava-me: “O que tem a viatura?” E depois das minhas explicações dizia: “Um bom condutor é meio mecânico.” Também isto é verdade.

Minha tia da Austrália de 1921, já velhinha, ia de metro, toda asseada, cortar o cabelo. Não caminhava de casa sem levar a chave bem presa por um alfinete de fralda de bebé por dentro do casaco. “Ali que é para não se sumir!” Minha tia Elvira, sua mana, aqui, do outro lado do mundo, fazia igual, quando ia bordar para casa da Senhora Agostinha do senhor Adriano. “Ali que é para eu saber onde (es)tá!”

Na Boaventura, a senhora Maria Cândida de 1925, em qualquer balde do lixo da casa fazia uma obra de arte. Espalmava e alisava com esmero o saco dentro do balde, com todo o vagar do mundo. Depois, sempre que houvesse uma camada de restos lá dentro, lá ia ela às carreiras vistoriar tudo e cobria aquilo com uma folha de diário dobrada em quatro. Nada de maus cheiros. Tudo fiscalizado, escafiado e bem apresentável. Com Maria Cândida, não viesse cá “tonto Inácio” nenhum governar onde ela era Senhora. “Seu bananeira que não sabes nada!”

Hoje, há frascos para se conservar a massa e o arroz dentro do armário! Há também molas para esse efeito. Pois olha, aprendi com a Senhora Aninhas que não é preciso nada disso. Do próprio saco da massa ou do arroz rasga-se mesmo com a mão, uma tira de plástico que serve na perfeição para os amarrar bem pela boca e assim ter sempre os alimentos frescos e sem gorgulho.

Se não se sabe, aprende-se. E faz favor, nada de se esquecer que “quem é mole tem a vida dura” – outro dito antigo.

Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.

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