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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

16/12/2025 08:00

No dia 10 de dezembro, celebrou-se mais um Dia Internacional dos Direitos Humanos. Neste mesmo dia, uma rádio francesa entrevistou muito oportunamente a música e escritora, Léonor de Recondo. No seu último livro, Marcher dans tes pas (Caminhar nos teus passos), a autora conta-nos a história da sua avó e do seu pai, que se tornaram apátridas — o pai viveria nesta condição cerca de 40 anos — por terem escapado da Guerra Civil de Espanha e atravessado a ponte para França. Tiveram 10 minutos para decidir o que fazer, e se deviam tudo abandonar. Depois, aconteceu a II Guerra Mundial em que a família teve de entrar na clandestinidade, em condições de grande miséria. O pai, escultor, a filha, violinista — um instrumento que ela diz ser o dos exilados, porque nómada — será que alguns dos judeus perseguidos e mortos no dia 14 de dezembro, na Austrália, ao festejarem as luzes (Hanukkah) tocariam violino? Ahmed al-Ahmed, naqueles segundos pelos quais se espera toda uma vida, desarmou um dos atiradores, e mostrou-nos como se faz um solo de violino, e, no final, se depõem as armas.

Recondo relembra a lei da memória democrática votada em 2022 em Espanha, permitindo aos perdedores da Guerra Civil, os Republicanos exilados e a sua prole, recuperar a nacionalidade espanhola, processo que decorreu até outubro de 2025. A própria autora efetuou este pedido e caminhou nos passos da sua avó e do seu pai, mas no sentido inverso, indo à procura do que também é. Pablo Neruda conta que Federico García Lorca foi assassinado pelas costas em 1936 e que, as ditaduras, das primeiras coisas que fazem é assassinar a poesia, a «liberdade de ser», no dizer de Recondo. É isto também que está hoje em jogo nos regimes autocráticos, e nos que se vão autocratizando. Infelizmente, o Chile, terra de Neruda, quis voltar a desafiar a poesia com um nostálgico de Pinochet. Parece que vou ter de voltar a ver o filme No de Pablo Larraín.

Longe da vista me vai[?]: poder-se-ia pensar que era uma questão na sequência do que acabei de escrever, mas não, é o título da primeira faixa do primeiro álbum a solo de Mariana Camacho, O tempo de baixo, o tempo de cima ou o mundo está a virar. Ouçam-no, ofereçam-se e ofereçam-no, que não se vão arrepender. Tem algumas músicas do cancioneiro madeirense, como esta de que aqui falo, mas sempre com uma abertura ao mundo; em O tempo tá de leste, coabitam García Lorca, «a Dima da Palestina, a areia de Marrocos e o povo da minha ilha», diz a Mariana.

Há tempos, o Parlamento Europeu comemorou a Semana dos Direitos das Pessoas com Deficiência, celebrando-a também com uma rapariga alemã, cujo nome infelizmente não retive, que poderá ser a primeira pessoa portadora de deficiência no espaço. Quero acreditar que não é por acaso que este feito acontecerá ao abrigo do trabalho que desenvolve com a Agência Espacial Europeia (ESA), uma instituição pública europeia. O que não sei é se quando estiver no espaço ainda será visível a mancha de sangue gerada pelo conflito no Sudão; e mesmo que seja? Importar-nos-emos?

As imagens que vemos da Agência Federal dos EUA para a Imigração e Inspeção Aduaneira (ICE) fazem-nos bexiguinhas na mão, como o mar do Norte: as cenas de violência, de autoritarismo, de Estado sem direito arrepiam-nos; as instituições são testadas, e há umas que se prestam mais a isso do que outras; o ICE não opera apenas nos EUA, o ICE opera nas nossas consciências. Por isso, é verdadeiramente reconfortante ver como uma parte da sociedade civil norte-americana se vai organizando para impedir/alertar/amenizar estas investidas: por exemplo, em Chicago, utilizam-se apitos de plástico, modulando o assobio para alertar sobre a vinda, a presença, ou a necessidade de mobilização contra os agentes do ICE. O Natal agradece.

Em outubro, estivemos em Vílnius, e foi a primeira vez que estive num Estado Báltico. Deixo uma nota relativa à mobilização de toda uma comunidade artística, incluindo museus públicos e privados, que se uniram para demonstrar contra a nomeação por uma coligação liderada por um partido de centro-esquerda de um representante de um partido homofóbico e antissemita como ministro da Cultura. Essa mobilização do setor da cultura deve animar-nos no que, no dizer de David Dinis, é a certeza de que o líder do partido de extrema-direita português ganhará as eleições legislativas neste jardim à beira-mar plantado; é, por isso, necessário reforçar as instituições, e, no meu entender, o funcionalismo público para a eventualidade de ser confrontado com diretivas e até ordens ilegais. «Defender a democracia requer de nós [...] um compromisso coletivo com os princípios democráticos.»

Para os que não possam passar no dia 23 pelo mercado, espero que de alguma maneira sintam o olor da tangerina — ainda haverá tangerineiras em Gaza? —, e tudo o que o acompanha. Boas Festas!

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