As dores teimavam em não dar tréguas e via-se no rosto como a dilacerava. Porém, procurava sorrir por fora, camuflando a dor que sentia por dentro. Ainda não sabia que era cancro, mas já estava no corpo todo. Era Natal e tinha esperado muito para reencontrar filhas e netos, que não percebia porque é que não amainava o desconforto, que era na verdade sofrimento atroz, nem com os remédios que estava a tomar religiosamente para afastar um mal que não sabia ainda qual era, mas já lhe corroía os ossos e em breve a vida.
Dizem que é um sopro e é mesmo. Não sabia que aquele era o último dos seus natais, nem a família sabia que, no ano seguinte e nos que lhe sucederiam, haveria um lugar livre, sempre vazio, à mesa. O silêncio que corta quando, com a mesa posta, farta de receitas e cheiros que eram dela, escasseia o que não se substitui. Nunca. Irreparável.
Nunca se sabe quando chega a nossa hora e raramente se pensa qual é o nosso último Natal. Não imaginam se lhe terá ocorrido, quando naquela consoada de despedida por concretizar, se faziam planos para o ano seguinte. O sonho comanda a vida. E é tão bom o planeamento do reencontro, quando há distância física dos que mais amamos. É bálsamo contra a saudade.
A vida é um sopro. A morte também. Um suspiro longo, como o que deu poucos meses depois dos planos à mesa no Natal que seria o último. Nunca sabemos. Planeamos tudo, a ementa, as camisolas de festa, os enfeites, a iluminação. Os presentes, mas raramente, quase nunca, os ausentes, que são os que mais espaço ocupam, no vazio que deixam, nesta quadra de festa.
Se soubessem, o que fariam? Façam.