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Artigo de Opinião

HISTÓRIAS DA MINHA HISTÓRIA

29/03/2024 08:00

A data já vai longe, mas as questões a ela associadas continuam a exigir reflexão e mudança, por isso partilho convosco, em jeito de diário, alguns momentos desse dia.

No Funchal, ao passar junto a uma florista, surpreendi-me com uma longa fila de clientes que aguardavam para comprar flores, indubitavelmente para as mulheres com quem privam: namoradas, esposas, mães ou outras. Não seria este o propósito de quem decidiu assinalar o Dia da Mulher, mas já se sabe que o comércio se anima com estes eventos e trata de os promover, para além de que, uma gentileza nunca fez mal a ninguém.

Não consegui, contudo, deixar de me questionar o quão seriam aqueles homens, a aguardar em fila por um arranjo floral, de igual modo, amáveis para com as mesmas mulheres nos restantes momentos da vida e lembrei uma publicação que lera horas antes. Era o resultado de um estudo feito pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima que mostrava um aumento de 22% dos pedidos de ajuda desde 2021. Referia também que estes pedidos chegam mais cedo, ou seja, as vítimas suportam menos tempo até apresentarem queixa e que são mulheres cada vez mais jovens a fazê-lo. Acrescentava ainda que “a violência é cada vez mais violenta”. Ameaças, insultos, agressões físicas e difamação são as situações que mais se repetem nos casos de violência doméstica, um fenómeno que afeta todas as classes sociais.

Com a cabeça nestas cogitações, cheguei à Feira do Livro do Funchal, então a decorrer. No palco, três jovens autoras diziam poemas que falavam de ser mulher, reclamavam igualdade de género reivindicando o seu espaço na sociedade patriarcal em que vivemos, na qual singram, divididas entre a sua condição de fêmea e o direito de estar, como igual, no mundo laboral, na academia ou na política, sem o estigma de serem secundarizadas. Uma das linhas declamadas: “Não quero ser só mãe”, abalou-me. Ser mãe não devia ser algo menor, não devia ser encarado como um prejuízo. Devia ser mesmo o oposto: um valioso contributo para o futuro coletivo. No entanto, a mulher sem carreira profissional é desmerecida e a maternidade continua a ser encarada como um estorvo para os interesses económicos, mais preocupados com os lucros imediatos.

De seguida, no Teatro Municipal, assisti a um espetáculo – um misto de palavra, música, dança e projeção de imagem. Não sabia ao que ia, porque o título não o revelava. Logo descobri que as questões de género estavam em palco. Ainda com o grito da poetisa “não quero só ser mãe!” a ecoar-me na cabeça, vi surgirem no ecrã imagens de entrevistas a pessoas com aparência física masculina, mas que se afirmam desajustados como tal, e assentam a sua felicidade em seguir os padrões que a nossa sociedade estabeleceu como femininos: usar maquilhagem, saias e salto alto, etc. E, de facto, apresentam-se assim vestidos, ou talvez travestidos — não sei —, mas ainda gritantemente masculinos.

Saí do Teatro, já a noite caía, pensando em quantas ideias discrepantes se conseguem aninhar sob o chapéu das questões de género.

No carro, liguei o rádio. Especialistas, cujo nome não ouvi, falavam da inevitabilidade de uma guerra generalizada e sobre a urgência de a Europa se apetrechar de armamento, bem como de voltar a impor o serviço militar obrigatório, para homens e mulheres. Sobre consequências sociais e naturais dessa guerra não lhes ouvi qualquer palavra.

Regressei a casa amargurada.

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