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Artigo de Opinião

Bispo do Funchal

25/04/2024 08:00

Em Portugal, o conjunto dos cidadãos nacionais coincide em grande parte com a Igreja. Com efeito, a esmagadora maioria dos portugueses são católicos — desde os que fizeram a revolução, àqueles que, depois dela, foram expulsos ou se viram obrigados a deixar o seu país: assim, o que diz respeito a Portugal e aos seus diz, também, respeito à Igreja.

Não devem, por isso, espantar os pronunciamentos dos Bispos portugueses antes (4 de maio de 1973) e depois (16 de julho de 1974) da revolução de 25 de abril. Eles mostram como a Conferência Episcopal foi preparando os fiéis para acolherem as mudanças necessárias a todos os níveis da vida nacional.

De uma ou de outra forma, a Igreja esteve, também ela, na rua, durante esses dias de 1974 e nos meses que se lhes seguiram, em particular lutando para que a uma ditadura não se seguisse uma outra, de sinal contrário.

A revolução nunca foi contra a Igreja, nem esta a entendeu nunca como tal. É significativo que a Eucaristia dominical (depois do telejornal o programa mais antigo da nossa televisão pública) nunca tenha deixado de ser transmitida pela RTP, mesmo nos tempos mais difíceis que se seguiram ao 25 de abril. A prudência e a capacidade de diálogo do então Cardeal Patriarca D. António Ribeiro foi nisso decisiva. Não se tratava, apenas, de defender o ponto de vista ou os interesses da Igreja: tratava-se de ajudar Portugal na transição para uma democracia parlamentar de matriz europeia, onde todos pudessem ter acesso ao desenvolvimento e a uma vida mais digna.

Claro que existiram não poucos incidentes: opiniões e atitudes que se extremaram; modos de estar (dentro e fora da Igreja) que se mostraram impossíveis de aceitar; tentativas de reduzir a Igreja a uma força política ou de manipular paróquias e movimentos para objectivos e projectos de poder pessoal ou nacional. No entanto, 50 anos depois, creio que todos percebemos como essas situações eram inevitáveis, e como, no geral, existiu a sabedoria necessária que impediu essas atitudes extremistas.

Pessoalmente, eu era um adolescente que facilmente se deixou entusiasmar pela festa e pela luta política que se seguiram à revolução. A minha família sempre teve uma participação política local, em particular o meu pai. E, por isso, também participei nas muitas manifestações desses dias e anos.

O facto de frequentar o Externato de Penafirme ao longo desses anos de revolução minorou todo o impacto que a muita desorganização da vida escolar trouxe na aprendizagem para muitos dos meus coetâneos — em particular os que frequentavam a escola estatal. Mas não posso esconder também o entusiasmo de “inaugurar” o novo sistema de ensino em praticamente todos os seus níveis (fiz parte do primeiro 7º ano, 8º, 9º...)

50 anos depois, devemos reconhecer a sabedoria do nosso povo, das suas escolhas e decisões — mesmo na escolha daqueles que nos foram governando e que conduziram Portugal à situação de um dos países mais estáveis e seguros da Europa e mesmo do mundo.

Claro que a história não chegou ao seu final. Não vivemos (nem nunca viveremos) no melhor dos mundos. Mas creio que, apesar de todos os sacrifícios e lutas, podemos olhar com algum “orgulho” o caminho percorrido. Assim sejamos capazes de o continuar na senda do respeito pela dignidade da vida humana em todos os seus momentos e na construção de um mundo onde todos possam ter o lugar que Deus lhes pede.

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