MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Farmacêutico Especialista

28/05/2021 08:01

O olfacto é um dos sentidos mais curiosos, pois de forma natural os nossos receptores olfactivos estão a actuar em contínuo, no entanto só determinados odores nos proporcionam resposta ou se quisermos experiência.

O olfacto é assim um sentido que nos desperta emoções, desejos, prazeres, memórias, é interessante perceber a profundidade de um sentido e a modelação que promove em nós! É um acometer de reações químicas em cadeia que despertam neste ser vivo, que somos nós, uma miríade de imagens mentais! É um facto que não seria um sentido se assim não fosse, mas é tão curioso e simples o condicionamento comportamental que nos provoca.

Aqueles que como eu apresentam esse sentido pouco desenvolvido, deturpado pela fisiopatologia inerente a processos que levam à perda do mesmo, hiposmia, acabam por valorizá-lo um pouco mais, se quisermos acabam por reter mais os momentos em que o olfacto proporciona a experiência plena, devido a serem tão escassos!

No meu caso em particular são poucos os momentos em que consigo ter uma perceção da realidade no que ao olfacto diz respeito, e portanto, normalmente retenho na memória todos os momentos em que o mesmo despertou, proporcionando a experiência sensorial e produzindo memória, ou seja, o odor que me transporta numa viagem mental. É curioso que o exercício de memória é sempre avivado com o despertar de um dos odores, ocorrendo depois o exercício contrário, em que a memória transporta para todos os cheiros que completavam esse quadro mental avivado.

O cheiro iodado do mar, com as suas algas e lodos, transportam-me para um momento de paz e nem sempre quando estou próximo ao mesmo, sinto-o, mas reside sempre na minha memória esse odor forte, típico, que nos preenche e acalma, sentimo-nos embalar nas vagas, como que adormecemos envolvidos num abraço desta água de mar.

O acordar cedo e sentir o cheiro do dia a nascer, Steinbeck diz que “uma manhã inteira não é uma coisa, mas muitas” o orvalho matinal nos degraus da pedra da calçada, as laranjeiras (e eu nem gosto de citrinos), o cheiro típico de um metro ainda não saturado do cheiro a esforço físico e do peso do dia, o cheiro típico da cidade a despertar, com aquela brisa fria, virgem dos odores automóveis, o sol a começar a refletir na calçada, as frondosas mas baixas árvores a sacudirem o orvalho das folhas exalando o seu perfume natural, a beleza rica de uma ruralidade dentro da urbe, de uma cidade alfa que não perde a sua génese, como nós, as cidades não esquecem nem deixam a simplicidade que as viram nascer.

O cheiro da pele dos nossos, o regaço da mãe, esse, o cheiro das primícias da vida e que transportamos sempre connosco, esse o odor mais potente, que nos chega ao coração e desperta a razão de aqui estarmos, não tenho dúvida ser o cheiro da eternidade e como tal da plenitude existencial.

É curioso como a nossa natureza animal, à qual o homem nesciamente tenta fugir, ou demarcar-se, é aquela que permite vivenciar a vida na sua plenitude, que maior sentimento de felicidade é sentir o cheiro da pele dos que amamos.

Racionar onde é preciso sentir, é próprio das almas incapazes, H.Balzac.

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