Trabalhar na Nigéria é entrar num universo paralelo onde as leis da física e da lógica foram renegociadas por razões que ninguém conhece e que, provavelmente, ninguém quer descobrir. Com cerca de 240 milhões de habitantes (número que vale o que vale, porque na Nigéria nem os censos se atrevem a dizer a verdade), o país mais populoso de África e a sua maior economia vive num caos tão profundo que por vezes só resta rir. Ou chorar. Ou fazer as duas coisas ao mesmo tempo, que é a reação mais nigeriana possível.
A violência é ubíqua. Encontramos para todos os gostos, desde religiosa, étnica, insurgências jihadistas e secessionistas, por recursos, por política, por banditismo puro ou simplesmente porque sim. Em várias missões profissionais fui obrigado a viajar com escoltas armadas, como qualquer outro estrangeiro com vontade de regressar inteiro. Um grupo de colegas, num trajeto de apenas 100 quilómetros da infame Benin-Ore Expressway, a estrada mais perigosa da Nigéria e provavelmente do mundo, foi atacado três vezes por gangues armados. Três! Só não houve um quarto ataque porque as escoltas já estavam sem munições. A Nigéria é assim: um país onde até a violência tem limites logísticos.
Ao contrário dos países vizinhos da África Ocidental, onde se encontra simpatia, sorrisos e afabilidade, o trato nigeriano é de uma agressividade quase institucional. Não é má educação, é sobrevivência. Num país densamente povoado, onde o Estado social é uma miragem, a competição por recursos transforma qualquer interação numa disputa. Nos negócios, então, eles são imbatíveis, empreendedores ferozes, rápidos, brilhantes na arte de fazer dinheiro e também nos esquemas fraudulentos. Os mais velhos lembrar-se-ão das fraudes pré internet via fax, em que o pobre filho do antigo presidente, coitado, tinha 45 milhões de dólares presos numa conta secreta e, por algum motivo cósmico, entre todas as pessoas do planeta, escolheu-te precisamente a ti para o ajudar a libertar a fortuna. E se tentarmos ser simpáticos ou demasiado afáveis, cometemos o pior erro possível, pois eles interpretam isso como fraqueza. E comem-nos vivos.
A corrupção, essa sim, é transversal. É tão grande que consegue produzir paradoxos dignos de ficção científica: o maior produtor de petróleo de África tem escassez crónica de combustível. As filas nos postos de gasolina são tão longas quanto violentas. E a eletricidade? A produção total equivale à de Portugal, mas para 24 vezes mais habitantes. O resultado esperado são cortes constantes, sabotagens, roubo de crude e um lobby de geradores tão poderoso que bloqueia qualquer reforma.
As histórias pessoais também não ajudam a melhorar o humor. Tive um colaborador em 2010. Voltei quatro anos depois, tentei contactá-lo e nada. Só mais tarde descobri que tinha sido morto por envenenamento. Na Nigéria, tragédias destas são narradas com a naturalidade de quem comenta o tempo.
No lado tragicómico, o país também não desilude. Quando pedíamos catering para 30 pessoas, à vigésima quinta a comida evaporava-se. Reclamávamos, e eles encolhiam os ombros. A solução foi óbvia: pedir refeições para 40. Quando solicitámos “frutas exóticas”, recebemos maçãs e peras — exóticas, sim, pelo menos para eles. E quando reservámos 40 quartos num hotel, chegámos ao check-in e... não havia reserva nenhuma. Nem um. Apenas mais uma batalha perdida na guerra diária contra a imprevisibilidade.
A Nigéria é isto, um país fascinante, exasperante, brutal, vibrante, onde a única certeza é que ninguém é inocente até prova em contrário. E mesmo assim, convém não confiar demasiado na prova.