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Artigo de Opinião

29/09/2025 08:00

Estamos a poucas semanas das eleições autárquicas, marcadas para 12 de outubro, e volta a instalar-se a sensação de que as câmaras municipais se transformaram em balcões universais de promessas e subsídios. Em cada esquina, em cada inauguração, em cada publicação nas redes sociais oficiais, surgem anúncios de apoios: à renda da família carenciada, ao passe de transporte, ao computador da escola, à festa da associação, ao pavilhão do clube ou ao evento cultural improvisado. A autarquia assume-se como a solução mágica para tudo o que falta e tudo o que falha, numa espécie de Pai Natal permanente, sempre pronto a distribuir benesses.

Esta lógica tem uma explicação eleitoral simples. O cidadão comum esquece rapidamente a revisão de um PDM ou a discussão de um orçamento municipal, mas recorda-se bem do cabaz de Natal que recebeu, da renda que foi paga pela autarquia ou do transporte gratuito que passou a ter. O voto não se move tanto pela visão estratégica ou pelo planeamento de longo prazo, mas pelo benefício imediato e tangível. Esta mentalidade, explorada até à exaustão, transforma as câmaras em catálogos de promessas de ocasião e empobrece o debate público, reduzindo-o a uma troca de favores entre o poder local e o eleitorado.

Acontece que muitas destas funções não são sequer competências próprias dos municípios. A Segurança Social, a Saúde, a Educação, todos são domínios do Estado central e regional. Mas como o Estado falha e não responde em tempo útil, as autarquias correm a tapar buracos, assumindo tarefas para as quais não têm vocação nem orçamento adequado. Criam-se programas de apoio que substituem políticas nacionais e multiplicam-se as medidas avulsas que aliviam no imediato, mas que em nada resolvem as causas profundas da exclusão social. O Estado Social, assente em direitos universais e políticas estruturais, degrada-se em Estado assistencialista, dependente da boa vontade do autarca de turno e da capacidade orçamental do município.

A dimensão mediática também pesa. Uma estrada inaugurada pode ser importante, mas não rende tanto quanto entregar as chaves de uma casa social perante as câmaras de televisão ou anunciar passes gratuitos com direito a fotografia sorridente no jornal local. O apoio social transformado em espetáculo público dá manchetes, gera “likes” e reforça a imagem do executivo como generoso e próximo. Mas este exibicionismo político não esconde a realidade: medidas fragmentadas, orçamentos desequilibrados e uma autarquia que se coloca como substituto precário do Estado.

Como se não bastasse, a competição entre autarcas cria uma escalada quase ridícula. Se a Câmara vizinha oferece livros gratuitos, a nossa também tem de oferecer, mesmo sem saber se há verba para isso. Se uma anuncia apoios ao arrendamento, a outra copia a medida para não ficar atrás. A sustentabilidade financeira pouco interessa; interessa é não parecer menos generosa. Assim, em poucos anos, as câmaras deixaram de ser gestores racionais do território e transformaram-se em máquinas de distribuição de subsídios.

O risco é óbvio. Em primeiro lugar, o risco do assistencialismo: em vez de políticas de emprego, habitação acessível ou planeamento urbano de longo prazo, multiplicam-se apoios pontuais que criam dependência e não mudam realidades. Depois, o risco financeiro: autarquias endividadas, a viver acima das suas possibilidades, hipotecando o futuro em nome de promessas fáceis. Finalmente, o risco político: a descredibilização do poder local, que passa a ser visto como mero distribuidor de favores, uma versão institucional do Pai Natal que aparece de quatro em quatro anos.

Importa, no entanto, sublinhar que não está em causa a legitimidade do apoio social. Há situações em que a intervenção municipal é necessária e até indispensável: garantir dignidade mínima, responder a emergências, apoiar famílias em rutura. O problema não está na exceção bem fundamentada, mas na regra assistencialista que tudo cobre e tudo promete. Entre o apoio social responsável e o populismo orçamental vai uma linha ténue, mas decisiva.

É precisamente aqui que entra a responsabilidade dos candidatos que se apresentam às eleições de 12 de outubro. Mais do que prometer mundos e fundos, mais do que encher programas eleitorais de medidas simpáticas e fáceis de anunciar, os candidatos devem ter a coragem de recusar o caminho do assistencialismo e defender a construção de um verdadeiro Estado Social local, articulado com as políticas nacionais, sustentável financeiramente e estruturado em soluções de longo prazo. Governar uma câmara não é distribuir prendas em tempo de eleições, é planear, investir, gerir com seriedade e construir alicerces que resistam para lá de um mandato.

Se continuarmos a confundir Estado Social com Estado assistencialista, a política local será reduzida a espetáculo e o eleitorado a clientela. E isso é o maior empobrecimento que uma comunidade pode sofrer: deixar de acreditar que a política serve para estruturar o futuro e aceitar que não passa de um balcão de favores de ocasião.

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