MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Economista

27/11/2025 08:00

Há ideias que sobrevivem não pela sua racionalidade, mas pela persistência com que certos espíritos românticos insistem em desafiar a aritmética. O ferry entre a Madeira e o continente é uma delas. O debate reaparece ciclicamente, embrulhado numa retórica de “conexão marítima”, “mobilidade dos madeirenses” e “alternativa às companhias aéreas”, como se a economia de transportes estivesse sujeita às mesmas emoções que presidem à literatura de viagens. Não está.

A questão fundamental é simples: não existe massa crítica para um serviço regular de passageiros por via marítima. E há décadas que a economia demonstra que a escala, esse conceito tão detestado por quem confunde vontade com viabilidade, não se compadece com populismos logísticos. O transporte marítimo de passageiros exige três condições mínimas: procura estável ao longo do ano, tarifas competitivas face ao transporte aéreo e tempos de viagem socialmente aceitáveis. A Madeira não cumpre nenhuma destas três condições.

Primeiro, a procura. Para um ferry ser sustentável, necessita de milhares de passageiros mensais. O tráfego relevante concentra-se em três a quatro semanas de Verão; o resto do ano vive da escassa teimosia de alguns aventureiros. A sazonalidade madeirense não gera um fluxo constante, mas sim picos abruptos, e nenhuma empresa profissional estrutura a sua frota para satisfazer esses picos. É como querer viabilizar um hospital com base apenas no movimento do dia 1 de Janeiro.

Segundo, as tarifas. Economicamente, o ferry só poderia competir com o transporte aéreo se oferecesse um preço semelhante por passageiro. Mas o custo operacional de um navio de grande porte, combustível, tripulação, seguros, taxas portuárias, manutenção, dilui-se pelo tempo de viagem e não pela quilometragem. Mesmo que ferry e avião levem exatamente o mesmo número de passageiros, um voo Funchal–Lisboa em avião comercial moderno tende a consumir menos combustível por passageiro do que um ferry ro-pax oceânico a demorar 24–30 horas entre a Madeira e o continente, especialmente quando contabilizamos o peso dos veículos e o consumo do “hotel flutuante” durante um dia inteiro de viagem. O resultado é inevitável: ou o contribuinte subsidia pesadamente o bilhete, ou o bilhete torna-se mais caro do que voar. Em ambos os casos, sacrifica-se a racionalidade económica e financeira.

Terceiro, o tempo. Uma sociedade moderna não aceita perder dois dias em deslocações que podem ser feitas em 1h 40m. A teoria económica é clara: o valor do tempo é um custo real. Obrigar a coletividade a financiar um meio de transporte estruturalmente lento é um tributo à nostalgia, não ao interesse público. E tudo isto sem tocar no maior absurdo: a ilusão de que o ferry seria uma solução social. Não será. A esmagadora maioria dos madeirenses não troca um voo rápido e barato por uma travessia de 24 horas ou mais. O ferry serve, sobretudo, um nicho legítimo, mas minoritário. Ora, a política pública não deve ser capturada por minorias ruidosas que confundem preferência pessoal com bem comum.

O verdadeiro motor logístico da Madeira não é o ferry: é a “aviation connectivity”, é a carga aérea, é a eficiência na integração portuária para mercadorias, não para passageiros. Há ainda um derradeiro argumento que a Oposição insiste em ignorar: a única rota onde um ferry faz sentido estratégico não é Funchal–Continente, mas sim Madeira–Porto Santo, precisamente por razões de resiliência territorial. O Aeroporto Cristiano Ronaldo sofre de constrangimentos operacionais conhecidos, meteorologia adversa, vento cruzado, limitações estruturais, e a ligação marítima com o Porto Santo, quando devidamente modernizada e acelerada, não é um luxo: é uma infraestrutura crítica de contingência.

A Região precisa de política económica, não de brinquedos marítimos financiados por contribuintes.

Insistir no ferry é insistir num erro de cálculo. E a economia, como a geometria, tem leis próprias. Pode-se ignorá-las; não se pode escapar ao preço de as desafiar.

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