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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

21/10/2025 08:00

No dia 5 de outubro, chegaram os quatro ativistas portugueses detidos em Israel ao aeroporto de Lisboa; depois de alguma confusão, as câmaras de televisão continuavam a perscrutar para ver se ainda apanhavam no seu quadro de visão alguém conhecido; de repente, viraram-se para uma rapariga de keffiyeh vermelho, o que a deixou exposta a Portugal e arredores neste dia em que se comemorava a República e o seu 115.º aniversário; talvez seja isto a República: consagrar quem escolhe estar no sítio certo no momento certo, fazendo aquilo que deve ser feito.

Participei estes dias numa manifestação para juntar a minha voz aos que dizem não ao que começou por ser um crime sem nome em Gaza. A páginas tantas, uma jovem israelita abordou a manifestação - confesso que não ouvi o que disse inicialmente - e falou dos reféns israelitas. Daí por um bocado, voaram os «fascista» e «terrorista». Relembrando o que propôs a rabina Delphine Horvilleur a Kamel Daoud - que cada um deles defendesse a posição contrária à qual está conotado - eu ainda penso na rapariga israelita, e, de alguma maneira, sobre o que teria acontecido se eu tivesse saído da manifestação, manifestando-me junto dela para perceber o porquê da abordagem. Se não conseguirmos falar uns com os outros, sobretudo quando já quase não parece haver linhas abertas, desligamo-nos não só do outro como da nossa própria humanidade. Houve uma voz feminina que fez jus ao que ali se celebrava, se soltou da manifestação e lançou «Então, junta-te a nós!». Nós, vós, eles: é só na gramática.

No contexto do Festival literário Bibliothèques Idéales, que decorreu em parte no hemiciclo do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, ouvi o arquiteto que o desenhara, o peruano Rodo Tisnado, confirmar que aquele hemiciclo foi coberto na sua parte exterior por madeira inspirada na que foi utilizada pelas caravelas que navegaram do velho para o novo mundo, e que esta câmara era uma espécie de casco de caravela ao contrário, mas também uma espécie de «ovo de Colombo»: conta-se que pôs o ovo de pé, mas não chegou à Índia. Tisnado disse também que os europeus tinham permitido que o continente americano, até aí isolado, se abrisse ao mundo, afirmando que os europeus também lhes levaram a democracia. Na altura, pareceu-me que esta era apenas uma parte, e uma perspetiva, desta história; no entanto, a resposta foi dada, no dia seguinte, pelos participantes no Forum dos Povos-Raiz. No mesmo hemiciclo, reuniram-se os povos Maia (México), Betsimisaraka (Madagáscar), Kariri-Xocó (Brasil), Pénan (Bornéu) e Amazigh (Marrocos). A resposta à visão de Tosnado iniciou-se pelo pajé do Distrito Federal de Brasília, representando os Kariri-Xocó, quando falou sobre a colonização e todo o seu legado de violência. Por sua vez, as representantes maias deixaram uma mensagem aos decisores políticos europeus: o que vocês fazem, afeta-nos, e o que nos afeta acabará por vos afetar. A páginas tantas, disseram também que o governo mexicano deveria ajudar mais, e recordei-me que muito recentemente, a primeira mulher presidente mexicana, ex-membro do grupo de peritos das Nações Unidas sobre o clima (GIEC), foi consequentemente a primeira mulher a dar o grito da independência naquele país, e não se esqueceu de o dar também em nome das mulheres ameríndias: há esperança, e haja voz!

Quando fui ouvir Kamel Daoud, o senhor sentado ao meu lado naquele hemiciclo, e professor do secundário, tinha um livro onde na capa se via o rosto do escritor Boualem Sansal; apesar de tudo o que se possa pensar sobre este escritor, o lugar de quem diz não deve ser na cadeia. Daoud disse que o livro que lera recentemente e que o interpelou, como já não acontecia há algum tempo, foi o Misericórdia de Lídia Jorge. Ouvi esta mesma escritora, respondendo à pergunta do Luís Osório - Em que livro gostaria de morar? - dizer que, na impossibilidade de escrever um livro como O meu nome é vermelho de Pamuk, gostaria de aí morar. Espero que nos encontremos em breve entre esse lar de terceira idade do Portugal contemporâneo e a Istambul do séc. XVI.

Por último, mas não de somenos, Catarina de Albuquerque pereceu. Uma defensora incansável dos direitos humanos para todos, e a primeira relatora especial das Nações Unidas para o direito à água potável e ao saneamento. A nossa homenagem deverá também passar por uma revisão das políticas da água em Portugal, e por um debate público sobre se a privatização da gestão da água nos sacia a sede. Não por acaso o prémio Samuel Paty 2025-2026 tem por tema o debate democrático, e sem um não há o outro.

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