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Artigo de Opinião

11/11/2025 08:00

A História não se repete mecanicamente, mas oferece advertências. Tal como na década de 1930, vivemos um tempo de populismos em ascensão, extremismos disfarçados de patriotismo e conflitos regionais que testam a coesão da ordem internacional. A anexação da Crimeia (2014), a invasão da Ucrânia (2022) e o conflito de Gaza tornaram-se eixos visíveis desse teste.

O mundo, num contexto de desagregação do poder político e de respostas hesitantes por parte das democracias, revive o dilema entre Munique (1938), tentativa de evitar a guerra pelo apaziguamento, e Ialta (1945), reconstrução da ordem internacional com base numa nova correlação de forças. Ceder para adiar o conflito ou enfrentar a crise e reconstruir a ordem.

Hoje vivemos a pulverização do poder político. Internamente, as democracias enfrentam a erosão dos partidos tradicionais, o crescimento dos movimentos anti-sistema e o surgimento de lideranças disruptivas. A nível internacional, a ONU revela incapacidade para travar agressões ou impor o direito internacional. A “política da canhoneira”, o uso da força como instrumento diplomático, regressa, com a guerra novamente como ferramenta de gestão da ordem internacional.

Neste contexto, a Europa enfrenta um teste existencial. Criada, em 1957, sobre as ruínas da guerra e da divisão, a União Europeia, então Comunidade Económica Europeia, nasceu da convicção de que a cooperação e o direito seriam as suas defesas mais sólidas. Contudo, a invasão da Ucrânia, a pressão migratória e a normalização de discursos extremistas revelam fissuras dessa promessa. Entre o ideal comunitário e o pragmatismo nacional, a Europa hesita, perdendo credibilidade e influência. A passividade, disfarçada de prudência, é o maior risco: ceder à inércia é abdicar da História.

Como em 1938, reina o medo da escalada e a ilusão do controlo. A História mostra que a indecisão é também uma escolha e, muitas vezes, a pior, pois encoraja o agressor. A hesitação em agir com firmeza perante violações do direito internacional reaparece quando se sugerem “concessões territoriais” para pôr fim à guerra na Ucrânia ou “soluções de força” para estabilizar Gaza. Em suma, sacrificar princípios em nome de uma paz imediata que nunca chega. O mesmo erro do Apaziguamento.

Nesta conjuntura impõe-se repensar as bases sobre as quais a ordem internacional foi construída. Talvez seja necessário regressar às origens do sistema internacional moderno: à Paz de Vestefália (1648), que estabeleceu a soberania do Estado, o respeito pelas fronteiras e a igualdade jurídica entre nações, e aos princípios do Congresso de Viena (1815) que consolidou a noção de equilíbrio de poderes e introduziu a diplomacia multilateral como instrumento de estabilidade.

Com Vestefália, Viena e Ialta assume-se que a paz não é apenas ausência de guerra, mas uma construção política sustentada por regras e compromissos, e que só será duradoura quando construída com os povos e não sobre eles. Uma lógica que molda, ou deveria moldar, as relações internacionais.

Hoje, estamos perante a necessidade de uma “nova Ialta”: não para dividir o mundo, mas para redefinir as regras da convivência internacional, restaurar instituições e incluir novos atores - regionais, tecnológicos e não estatais - na governança global.

O dilema de Munique ou Ialta não pertence apenas aos livros de História, é também a escolha do nosso tempo, refletido em cada decisão que tomamos como democracias. Assumir o multilateralismo é defender o diálogo sem ceder na defesa dos princípios democráticos.

Entre Munique e Ialta, o mundo precisa escolher novamente: ceder para sobreviver ou reformar para perdurar? Mais uma vez, a escolha que definirá o nosso futuro enquanto comunidade.

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