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Artigo de Opinião

30/11/2025 05:00

A democracia portuguesa tem nomes, rostos e memórias. Muitos desses rostos cresceram sob a sombra do Estado Novo, lutaram pela liberdade e moldaram o regime que hoje conhecemos. São figuras que carregam consigo não apenas biografias políticas, mas também a memória viva de um país que se reinventou após décadas de ditadura.

Nos anos finais da ditadura, os deputados da Ala Liberal — entre os quais se destacaram Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, João Bosco Mota Amaral, Joaquim Magalhães Mota e João Pedro Miller Pinto Lemos Guerra — testaram os limites do regime. Na Assembleia Nacional defenderam a separação de poderes, a liberdade de expressão e a renovação política. A Ala Liberal tornou-se um sinal de urgência: a prova de que o país precisava de ser livre e informado. Foi uma brecha na muralha do Estado Novo, mas decisiva para preparar a democracia que se ansiava.

O 25 de Abril escancarou as portas da liberdade e fez emergir uma geração de políticos e militares que, pelas suas convicções, ideais e ação, moldou a democracia portuguesa. No campo militar, responsável por garantir uma transição controlada e evitar derivas autoritárias ou revolucionárias, destacam-se Otelo Saraiva de Carvalho, Fernando Salgueiro Maia, Vasco Lourenço e António Ramalho Eanes. Entre os civis, que transformaram a liberdade em instituições sólidas, encontramos Mário Soares, Álvaro Cunhal, Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa e Francisco Sá Carneiro. Todos acreditavam num pluralismo capaz de substituir a uniformidade do Estado Novo e contribuíram para o mesmo desígnio democrático.

A transição para a democracia, entre 1974 e 1982, correspondeu ao período mais delicados da história contemporânea de Portugal. A instabilidade política, a pressão ideológica e a incerteza económica criaram um contexto exigente, em que a democracia podia facilmente ter descarrilado. Foi a capacidade das lideranças políticas e militares para dialogar, negociar e conter o radicalismo — à esquerda e à direita — que permitiu transformar a energia revolucionária em instituições estáveis. Nesse terreno movediço, Pinto Balsemão deixou uma marca mais profunda do que a memória coletiva reconhece.

Pinto Balsemão foi uma figura maior — embora discreta — da construção do Portugal democrático. Como empresário da comunicação, fundou o Expresso a 6 de janeiro de 1973. Criou assim um espaço de pensamento livre no final da ditadura, que após o 25 de Abril se tornou um pilar de escrutínio do poder, de debate público e de formação crítica da opinião. Como Primeiro-Ministro, liderou a revisão constitucional de 1982, que extinguiu a tutela militar e reforçou o poder civil, concluindo a transição para uma democracia plenamente consolidada. Com o seu percurso, deixou uma marca indelével e, única entre os fundadores, em duas dimensões seminais do regime português: a liberdade de imprensa e a estabilidade institucional.

A morte de Pinto Balsemão, em outubro passado, lembra-nos de forma contundente que as testemunhas do momento fundacional da democracia portuguesa estão a desaparecer. Com cada perda, apaga-se um pouco da ligação direta aos construtores do regime, e com eles parte da memória viva de como a liberdade foi conquistada, defendida e consolidada.

O desaparecimento dos fundadores da democracia convoca-nos para o desafio quotidiano de combater a erosão da confiança, o cansaço cívico e a fragmentação política. A democracia não é um legado intocável, é uma obra em permanente construção. Cabe às gerações atuais e futuras honrar essa herança, garantindo que a liberdade continue a respirar em cada decisão, em cada lei e em cada gesto cívico. Sempre com a consciência de que a Democracia, para viver, precisa de ser cuidada todos os dias.

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