MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

29/11/2022 08:00

Sei imensas histórias tristes desses tempos, mas sempre contadas com imensa graça e humor. Como é tão bom rir das nossas tristezas! É meio caminho andado para afugentar depressões e trazer a felicidade!

Nunca falei abertamente sobre a complicação que foi cuidar dos meus velhinhos, mas vou fazê-lo agora, abordando o tema do abandono dos idosos, não para eu encontrar respostas, mas para lançar perguntas ao coração dos Homens. Eu sei as respostas. Esta última afirmação não é de eu ser convencida ou arrogante, acreditem-me ou não, mas de sentir a paz do dever cumprido.

Todo este blablá vem a propósito de uma conversa com duas amigas, cada uma na sua vez, que sem quererem, acredito que sim, me puseram com o coração a chorar.

A primeira conversa aconteceu há alguns anos na minha outra escola. Eu estava tão cansada com tanta vida em cima de mim, com minha mãe eternamente acamada, a tia Elvira com Alzheimer e meu pai, a força da casa, com cancro. E foi quando uma amiga, com pena de mim, acredito, sentenciou "Olha, larga teu pai à porta do hospital!" Por aquela não estava nada à espera! Mas que conselho! Não sabia se chorasse ou se lhe contasse da boa alma que era o meu paizinho!

A segunda conversa é mais recente. Fiquei a saber que uma amiga considera que os meus pais foram egoístas. Pois! A vida é assim! Paciência! Lá vieram as palavras de comando, de quem sabe tudo, outra vez, para me cortar o coração! "Teu pai devia ter feito assim e assado"! "Tua mãe deveria ter feito frito e cozido"! Foi mais ou menos assim este o diálogo, porque nós, como família, tínhamos sido emigrantes nos EUA. Eu tinha seis anos. Por isto ou por aquilo, voltámos à nossa terra e eu fiquei tão feliz por ver de novo as borboletas, as papoilas, o trigo a amarelar nos poios, as ameixas a amadurecer nas ameixeiras pelos bardos, as nossas flores, as levadas a cantar pela nossa vereda abaixo, os poços de águas esverdeadas, o nosso cachorro, o Marquês, as andorinhas aos bandos e tantas outras simplicidades tão boas. Há lá coisa mais bela?

Esta minha amiga acha que não, mas que coisa tonta! Nunca deveríamos ter voltado à Madeira. Diz ela que eu poderia estar muito bem agora, naquele país riquíssimo. Diz ela também que minha mãe, quando sofreu o AVC, deveria era ter sido internada para eu viver a minha juventude e ter outras condições de vida. E meu pai deveria era ter tratado de tudo e pensar no futuro das filhas! Que vida tacanha e triste!

É tudo muita verdade, sim senhora, mas é que meu pai não comia o pêro que minha mãe lhe punha para sobremesa para deixar para "as pequenas" comerem; mas é que meu pai nunca me virou as costas e nas minhas horas de aflição ele sempre esteve comigo para aparar os golpes; mas é que meu pai, até aos meus 40 anos, é que me comprava o pão para a minha casa, sem eu lhe pedir nada; mas é que ele amava os netos e a sua família e por nada deste mundo nos deixaria para trás!

Quer dizer que então agora está na moda amar a casa, o carro, as roupas novas e os sapatos de marca, a maquilhagem, as viagens, os jantares, o ginásio, o cão só de raça, o telemóvel, as tecnologias todas e mais o raio que o parta e está na moda abandonar o pai à porta do hospital?

Que mundo é este? Eu não quero nada disto!

Não! Nunca largaria meu pai à porta do hospital e sinto-me muito bem com a minha decisão!

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

Ver todos os artigos

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Qual o valor que gastou ou tenciona gastar em prendas este Natal?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas