Muito se fala, e pouco se resolve, sobre a mobilidade na Região Autónoma da Madeira. O debate promovido esta semana pelo JPP no Parlamento madeirense sublinha uma realidade insofismável: a nossa insularidade e ultraperiferia continuam a ser tratadas pelo Estado Central como incómodos, à mercê de agendas centralistas e interesses partidários, e não como um imperativo constitucional de coesão e igualdade.
Para o Estado, não passamos de uma pedra no sapato. A mobilidade dos madeirenses e porto-santenses permanece refém de promessas vazias, adiamentos sucessivos e mecanismos que transformam direitos fundamentais em luxos inacessíveis.
No capítulo aéreo, a farsa do Subsídio Social de Mobilidade (SSM) é evidente. Vendido em 2015 como a “melhor coisa que aconteceu à Madeira”, tornou-se um pesadelo. Em vez de pagarem 59 € ou 79 €, os madeirenses são obrigados a adiantar centenas de euros, esperando depois que o Estado lhes devolva o que nunca deveriam ter desembolsado. Que lógica é esta que obriga um cidadão insular a financiar o Estado com 300, 400 ou 600 € por uma necessidade básica?
E, como se a situação não fosse já absurda, ainda se depara com a indiferença do presidente do Governo Regional, que afirmou que a resolução das questões técnicas da plataforma de reembolsos, prevista para entrar em funcionamento em janeiro, “não é prioritária”. Uma posição politicamente indefensável e moralmente inadmissível para quem deveria colocar a mobilidade dos madeirenses no topo das suas responsabilidades.
Mas qualquer resquício de esperança é rapidamente esmagado pelas palavras do Ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, que, recentemente, após um pedido de esclarecimento do JPP, confirmou que o reembolso será processado “num dia ou dois”. O resultado? Os madeirenses continuarão a ser obrigados a adiantar valores elevados perante o silêncio cúmplice da Quinta da Vigia. A retórica da “plataforma milagrosa” revelou-se uma farsa: só viaja quem pode pagar o adiantamento. Mais uma vez, falta vontade política para tornar a mobilidade um direito de todos e não um privilégio de alguns.
Na mobilidade marítima, o Ferry é ainda mais emblemático da traição política e do desprezo centralista. Para o Estado, a ligação regular de passageiros e carga é um luxo. Ignoram que é essencial para reduzir custos logísticos, escoar produtos regionais e garantir alternativas a quem não pode voar. Apesar de inscrita no Orçamento do Estado de 2025, a promessa de um concurso público internacional foi substituída por mais um estudo económico, já condenado à falência pela declaração prévia do Ministro Miguel Pinto Luz de que a linha seria “deficitária”, apoiando-se em modelos desatualizados e nos dados de um operador que não tinha interesse em operar na linha e desistiu antes de concluir o contrato. O mesmo ministro que também afirmou que a ligação só será ponderada “caso se verifique ser necessária”. Por outras palavras: prometeram e agora apenas ponderam se vale a pena cumprir. Uma operação de empapelamento, com a conivência e concordância do PSD-Madeira, CDS e IL, que revelam, uma vez mais, uma submissão inadmissível perante a apatia centralista.
Décadas de promessas sucessivas, de governos regionais e nacionais, mostram que a Madeira continua penalizada pela sua condição insular. Enquanto o Estado recua, enquanto a Madeira é ignorada e os compromissos adiados, o país falha na sua obrigação de assegurar continuidade territorial e igualdade de oportunidades.
Não se trata apenas de viagens ou transportes, trata-se de respeito pelas ilhas, pelos seus cidadãos e pelo princípio de igualdade e de respeito autonómico prometido há cinquenta anos. A Madeira, o Porto Santo e os Açores não podem ser contabilizados apenas pelo número de votos que garantem no todo nacional. São pilares estratégicos da soberania e da projeção de Portugal. A sua posição no Atlântico confere ao país uma presença geopolítica que poucos Estados europeus possuem, permitindo controlar rotas marítimas vitais, afirmar-se como ator relevante na segurança transatlântica, projetar força e interesse nacional na Bacia Atlântica e garantir uma Zona Económica Exclusiva essencial para o futuro económico, alimentar e energético de Portugal. Ignorar este valor é colocar em risco não apenas interesses económicos, mas a própria afirmação da nação no palco internacional.
A mobilidade é apenas o reflexo de um desrespeito mais profundo, enquanto o Estado trata a Madeira como um mero apêndice, desvaloriza a sua gente e compromete a sua relevância estratégica. Continuar a aceitar esta farsa é aceitar que as ilhas permaneçam esquecidas. E, com elas, um Portugal enfraquecido no Atlântico.