MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Psiquiatra

8/02/2023 08:00

Serve também para trazer dois temas importantes para análise. O primeiro, a estranheza do novo. É tão frequente, quanto assustador, a forma como crianças e adultos resistem a experimentar algo diferente. Quantas crianças e adolescentes são vítimas de abuso por serem diferentes? E geração após geração, vamos mantendo rituais semelhantes. A formatação ao grupo programada biologicamente de forma a sobrevivermos na selva. O problema é que a selva mudou, mas a nossa biologia não.

Faço parte dos que acreditam que não estamos biologicamente preparados para o próximo salto da tecnologia. Acredito mesmo que não estamos nem biologicamente, nem socialmente preparados para a tecnologia atual. Um exemplo simples é a lei de não conduzir e falar ao telemóvel em simultâneo. Quase todos acreditamos nas nossas capacidades para desempenhar várias tarefas em simultâneo, mas a verdade é que todos temos uma diminuição acentuada das nossas capacidades quando o fazemos. Existe um estudo interessante em que comparam, num simulador, uma pessoa a conduzir conversando ao telemóvel e a mesma pessoa apenas a conduzir. Quando está a falar ao telemóvel praticamente não vê mais nada para além do alcatrão, falhando várias pessoas em passadeiras e outras situações de perigo.

Infelizmente não há leis para trazer inteligência e bom-senso ao ser humano. O problema de conduzir a falar ao telemóvel só se vai resolver quando os telemóveis reconhecerem que estão num carro e impedirem a realização de chamadas e envio de mensagens. Penso que de outra forma não se resolve. Tal como a questão do álcool e a condução. Não somos capazes, como sociedade, de resolver os nossos impulsos e crenças de invencibilidade. Também terão de ser os carros a recusarem andar, quando alguém estiver alcoolizado.

A novidade continua a ser algo que muitos de nós procuramos, mas apenas dentro do que não é novo. Ou seja, procuramos roupas, acessórios, gadgets, relações humanas ... dentro do universo do nosso "gosto", do nosso conhecido. E acabamos a manter o mesmo padrão, relação após relação. Ensinarmos as crianças desde pequenas a abraçar a diferença como positivo. Mas isso implicaria mudar todo o sistema de educação, que está feito para tornar crianças em quadrados sociais. Algumas pessoas falam do inovador método Montessori de educação. A inventora morreu em 1952 e ainda falamos dele como "inovador". Métodos como este deveriam ser o padrão e não a diferença. Mas para mantermos as pessoas quadradas e dentro da sua previsibilidade social, temos de manter o sistema educativo atual.

A segunda análise, é a de como vivemos cada um no seu alvéolo de um mesmo favo. A comparação ideal é a de uma ilha a um favo. Um dos problemas que mais me aflige na atividade clínica é receber pessoas inteligentes, trabalhadoras, dedicadas, sensíveis, que por algum acaso ou por mudança de gosto, perderam relações ou grupo social e acabam por se sentir como num deserto. Têm imensa dificuldade em alargar o seu círculo social e acreditam mesmo que estão destinadas à solidão da rotina casa-trabalho. É para essas pessoas que serve esta analogia. Sente-se fechadas no seu alvéolo dentro do favo, quase sem conseguir respirar. O que é triste é que existem várias pessoas semelhantes a passarem pelo mesmo. Estamos num momento da sociedade em que as pessoas se sentem afastadas e sozinhas, quando estão em alvéolos uns ao lado dos outros. Como vamos ultrapassar esta prisão social?

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

Ver todos os artigos

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Concorda com a entrega do Prémio Nobel da Paz a Maria Corina Machado?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas