O Parque Florestal do Fanal tem sido, nos últimos tempos, amplamente destacado pela comunicação social e por milhares de visitantes como um dos lugares mais emblemáticos da Madeira. Essa atenção é compreensível. O Fanal é, de facto, um lugar extraordinário. Mas a forma como se fala sobre ele, por vezes, reduz a sua complexidade a uma ideia demasiado simples, a de que representa a expressão máxima da floresta Laurissilva tal como a natureza a criou.
A verdade é mais rica. O Fanal é uma paisagem humanizada, híbrida, onde natureza e ação humana se entrelaçam há séculos. O pasto amplo, os espaços abertos e os tis centenários que hoje inspiram fotógrafos e viajantes não surgiram por acaso. São o resultado de dois fatores que coexistem há séculos: o uso tradicional do espaço, nomeadamente através do pastoreio; e a presença humana, que também molda a forma como o espaço é cuidado, protegido e compreendido.
O pastoreio das comunidades da Ribeira da Janela e Seixal, uma tradição com raízes profundas na história local, contribuiu para manter as áreas abertas e controlar a vegetação rasteira. Sem essa presença, o Fanal evoluiria, naturalmente, para uma paisagem mais fechada e densa, diferente da imagem pela qual hoje é reconhecido. Tornar-se-ia uma verdadeira floresta de Laurissilva, como as que podemos observar noutros locais, como o Caldeirão Verde ou o Rabaçal. Não se trata, assim, de escolher entre “natureza intacta” e “uso humano”, mas de reconhecer que o Fanal sempre foi um encontro entre ambos.
Ao mesmo tempo, a visitação tem desempenhado um papel relevante. Trouxe visibilidade ao Fanal, reforçou o sentimento de responsabilidade coletiva sobre o lugar e contribuiu para que mais pessoas compreendam o valor da Laurissilva. A maioria dos visitantes comporta-se de forma exemplar, respeitando trilhos, árvores e regras. E importa dizê-lo com clareza, porque esses bons exemplos raramente chegam às notícias.
Existem, sim, episódios de comportamentos incorretos. Turistas que sobem aos ramos, que instalam acampamentos improvisados ou circulam fora dos percursos. Esses casos preocupam-nos e justificam o reforço de medidas de sensibilização e fiscalização. Tal como existem desafios associados ao pastoreio, incluindo a necessidade de proteger a regeneração dos tis e de vedar zonas sensíveis. O IFCN está atento a ambos e trabalha diariamente, e há muitos anos, para equilibrar estes fatores, com ações concretas de mitigação da erosão, recuperação de solos, proteção de árvores centenárias e ordenamento da visitação.
O essencial é que nem o gado devidamente ordenado, nem os visitantes, são inimigos da conservação deste espaço. Ambos fazem parte da realidade atual do Fanal e ambos podem (e devem) coexistir com a proteção dos valores naturais ali presentes. Não é necessário opor tradições locais a turismo, nem natureza a presença humana. O verdadeiro desafio do Fanal é, e sempre foi, encontrar a justa medida. Proteger a integridade dos tis centenários, preservar a paisagem aberta que caracteriza o montado de Laurissilva e garantir que quem visita o espaço o faça de forma responsável, existindo limites diários de visitação. E é precisamente isto que o IFCN está a fazer com o reforço das medidas de vigilância e sensibilização com recurso aos Vigilantes da Natureza e à Polícia Florestal, com o aumento das áreas vedadas, com a recuperação de percursos, e com a futura instalação de passadiços e controlo da carga de visitantes que será a medida mais importante.
O Fanal não precisa que escolhamos um lado. Precisa que compreendamos a sua história e o seu funcionamento. E precisa que continuemos a trabalhar, com serenidade, transparência e conhecimento científico, para assegurar que este lugar único permanece vivo, autêntico e protegido para as gerações futuras, deixando fora da equação os sensacionalistas, os radicais e os que apenas criticam por criticar.
É neste contexto mais amplo que importa recordar o trabalho científico e técnico que o IFCN desenvolve não apenas no Fanal, mas em toda a Laurissilva e nas demais áreas protegidas da Região. Trata-se de um esforço contínuo, sólido e reconhecido internacionalmente, sustentado em monitorizações ecológicas de longo prazo, inventários florestais avançados, conservação de espécies endémicas, controlo de invasoras, mitigação de riscos e ordenamento do uso público. Muito deste trabalho será apresentado, ainda este mês, nas XI Jornadas Florestais da Macaronésia, em La Gomera — ilha que conserva a maior e mais bem preservada mancha de Laurissilva das Canárias, também ela Património da Humanidade. A Madeira levará a este encontro uma delegação robusta e qualificada, com contribuições científicas em múltiplas áreas da gestão florestal insular. Perante este trabalho sistemático e amplamente reconhecido entre os próprios pares da Macaronésia, percebe-se o quanto ficam aquém da realidade certas observações que, embora possam ser bem-intencionadas, dão a entender falta de investimento e desconhecimento pelas estruturas e atual trabalho de conservação da Laurissilva. A proteção deste património não se constrói com impressões rápidas, mas com conhecimento, continuidade e compromisso, exatamente aquilo que o IFCN tem assegurado, de forma consistente e responsável, ao longo dos anos.