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Artigo de Opinião

Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira

22/12/2022 08:00

A palavra eutanásia deriva dum vocábulo grego composto por "eu" que significa bom e "thanatos" que significa morte, assim sendo, a eutanásia pode ser entendida como boa morte, morte tranquila ou morte sem sofrimento. Segundo Daniel Serrão, a eutanásia é entendida como "a morte deliberada e intencional de uma pessoa, a seu pedido, executada voluntariamente por uma pessoa que acolheu o pedido e decidiu dar-lhe execução. (…) É uma morte desejada voluntariamente por uma pessoa e executada ativamente por outra pessoa.". Figueiredo Dias define a eutanásia como o "auxílio médico à morte de um paciente já incurso num processo de sofrimento cruel e que, segundo o estado de conhecimentos da medicina e um fundado juízo de prognose médico conduzirá inevitavelmente à morte".

Tendo em conta, as diversas definições nacionais e internacionais, o CNECV criou um working paper dedicado à eutanásia com algumas terminologias e sistemática de argumentos, muito prático e esclarecedor, onde podemos encontrar elencados os sete elementos que parecem constituir a definição de eutanásia ativa direta: a existência de um pedido para; a morte provocada de forma deliberada e intencional; a existência de um segundo elemento que acolhe o pedido; sendo este elemento obrigatoriamente médico; o doente encontra-se em estado de doença grave, incapacitante ou terminal; é competente, não sofrendo de perturbação depressiva ou psiquiátrica que altere a capacidade de decidir sobre si; ajuíza-se a inevitabilidade da morte para o estado atual; o doente encontra-se em estado de sofrimento cruel ou em estado de sofrimento indigno.

Coloca-se a questão da pertinência de um referendo sobre esta matéria. O referendo é um instrumento da democracia direta, através do qual, os cidadãos eleitores são chamados a pronunciarem-se sobre determinado assunto, através do voto secreto e direto. No meu entender, tendo em conta a complexidade e o carater pessoalíssimo do tema da eutanásia, os cidadãos deveriam ser chamados a votar, à semelhança do que ocorreu em relação à despenalização do aborto em Portugal, no ano de 1998 e em 2007.

No entanto, e para que não se repitam os erros do passado, que se traduziram na fraca participação dos cidadãos, ao ponto dos referendos não serem vinculativos, devido à elevada taxa de abstenção, que ultrapassaram, pelas duas vezes, os 50%, é necessário que exista um intenso debate público, de preferência, multidisciplinar, voltado para os portugueses, acompanhado de diversas campanhas de sensibilização para o tema, através dos quais é transmitido aos cidadãos informações claras, imparciais, fidedignas e profundas do que é, verdadeiramente, a eutanásia, o que é que significam termos como o sofrimento, a doença grave ou incurável, a morte medicamente assistida, em que circunstâncias uma pessoa pode recorrer à eutanásia, entre tantos outros pontos, que são fundamentais discutir, para que possamos estar perante cidadãos conscientes, informados, responsáveis e participativos.

Outra questão é sobre o avanço ou o retrocesso da aprovação da eutanásia na nossa sociedade. Esta questão é muito sensível, aliás, como é o tema da eutanásia que, até aos dias de hoje, não alcança um consenso entre a população mundial. Seria muito imprudente da minha parte avançar com um sim ou um não. Por um lado, a aprovação da eutanásia poderá ser vista como um retrocesso da nossa sociedade porque permitimos que seres humanos como nós, escolham a morte, em vez da vida, o que demonstra que nós, enquanto sociedade, falhamos em dar resposta ao sofrimento e à dor do outro; que não fomos capazes de refletir sobre o sentido da vida, que não deixa de incluir a doença e o sofrimento; que falhamos no cuidado humanizado de doentes em fases terminais; que negligenciamos a humanização da morte e o processo de morrer, através dos cuidados de longa duração, continuados e paliativos. Por outro lado, a aprovação da eutanásia poderá ser vista como um avanço na nossa sociedade porque, mediante um determinado processo de avaliação, uma pessoa que cumpra os requisitos presentes na lei e que receba parecer favorável para o efeito, pode, querendo, requerer a eutanásia e colocar fim à sua vida. Neste caso, pode ser entendido que, estamos a respeitar a autonomia do doente e o poder de cada pessoa decidir aquilo que acha melhor para si, através do exercício do direito à autodeterminação ou o direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

É importante deixar claro que, existem mais dúvidas do que certezas e que, qualquer posição, levantará sempre outras questões sérias. É urgente uma reflexão sobre fragilidade, vulnerabilidade, doença, morte, sofrimento, amor, cuidado, atenção, solidariedade, solicitude e outros conceitos, junto da nossa sociedade, porque poderemos estar a caminhar numa direção perigosa, ao ponto de modificarmos a forma como olhamos para a doença e para as pessoas doentes e como estas olham para si próprias, sentindo-se como fardos e inúteis. Por fim, permitam-me que esclareça que todas as vidas são dignas, independentemente de tudo. A dignidade é uma característica intrínseca do ser humano e não sofre qualquer modificação com a idade, com a doença ou com a proximidade da morte.

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