Este verão que agora definha foi gordo e fértil em drama, tragédia e infelicidade. Desde destrutivos incêndios ao acidente com o elevador da Glória, passando pelos inauditos (espero não desperdiçar o sarcasmo) partos fora das maternidades e o dramático potencial aumento das propinas, fomos todos bombardeados por muitas emoções e muito pouca racionalidade.
Para um introvertido que se sente dolorosamente desconfortável na exibição aberta de emoções, tanto minha como alheia, foi uma temporada pesada e extenuante. Para este introvertido que sabe que as reacções emocionais raramente correm bem ou são justas, foi um período demasiado angustiante.
Começando pelos incêndios, tivemos de tudo. Foi uma azáfama para apagar tudo, um afã para apontar dedos, um fervor para fazer rolar cabeças. A culpa era de toda a gente, menos nossa. Foram as empresas de celulose; foram as madeireiras; foram as políticas deste governo, do outro governo; etc. Raramente foram as autarquias ou quem não precaveu a época de incêndios na sua vizinhança.
Um parto fora do local, ou mesmo cinco num mês, apesar de não ser ideal, não perfaz uma tendência do ponto de vista estatístico, mas é logo necessário que rolem cabeças. O que é preciso é ter uma maternidade em cada rua. Já reivindicar que se decidam de uma vez qual das maternidades da área está sempre aberta, para que a grávida possa ter um plano de viagem preparado meses antes da hora que se quer feliz, é difícil.
Quando soube que o elevador da Glória se tinha despencado pela Calçada da Glória, senti-me angustiado pelas vítimas. Pouco depois senti-me enojado com a quantidade de dedos acusadores antes de se sequer saber o que aconteceu ao certo. Aconteceu uma tragédia, alguém tem de ser sacrificado no altar dos antigos deuses castigadores.
Sinto-me condoído, confesso, quando penso no sofrimento de todas as vítimas das tragédias supracitadas. Não quero para mim nenhuma das suas sortes, nem as desejo a outros. Não quer isto dizer que me sinta forçado a aceitar que a emoção de que me condoo me impeça de ser racional.
O fogo é uma ocorrência natural, e até necessária, numa floresta. Sendo assim, quem aspira aos zero incêndios florestais, aspira a uma impossível perfeição distópica. Podemos controlá-los, podemos castigar quem os ateia com dolo, podemos até provocá-los preventivamente e de forma a controlar a matéria combustível, mas não vamos eliminá-los — nem devemos, a bem da saúde da floresta. Castigue-se quem tem responsabilidades próximas de precaver, não quem não atrapalha evitando meter-se no meio dos bombeiros a fingir que apaga fogos de palha, ou não se atira a uma câmara de TV com lágrimas de crocodilo. Prefiro um governante racional a um hipócrita que pouco mais faz do que validar reacções emotivas.
Um hospital em cada rua e um médico para cada cidadão é muito bonito, mas não é lógico nem exequível, por mais impostos se consiga expropriar aos cidadãos. Não é culpa de nenhum ministro, actual ou passado; é só uma constatação factual.
O elevador teve uma falha estrutural. Acontece. Eu sei que “acontece” não apazigua a dor, mas exigir a demissão a quem não construiu, vistoriou ou arranjou o funicular também não, garanto.
Ninguém, além de quem a provoca, é responsável pela dor que sinto. Ninguém tem a obrigação de me proteger da dor — sou um adulto. Não cabe ao Estado substituir o indivíduo na sua responsabilidade por si próprio, quanto mais pelos seus sentimentos ou emoções. Somos adultos.