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Artigo de Opinião

Enfermeira especialista em reabilitação e mestranda em Gestão de Empresas

16/10/2025 08:00

Num quarto hospitalar, uma enfermeira ajuda um cliente a dar os primeiros passos após um AVC. O gesto pode parecer simples, mas representa o início de uma nova vida. Esta imagem resume o poder transformador do cuidar — uma ação tantas vezes invisível, mas essencial para o funcionamento de qualquer sociedade.

Vivemos num tempo em que os números do PIB e da produtividade guiam as decisões. E, no entanto, esquecemos que a economia também depende de quem cuida. A enfermagem, sobretudo na reabilitação, ajuda a reduzir internamentos, promove a autonomia e acelera o regresso ao trabalho. Cada euro investido nestes cuidados pode gerar um retorno de três a quatro euros. É um investimento com rosto humano e impacto mensurável.

Apesar disto, os enfermeiros continuam a ser ignorados nos debates sobre crescimento económico. Trabalham em condições difíceis, com salários pouco compatíveis com a responsabilidade que assumem. Muitos enfrentam jornadas prolongadas, escassez de recursos e desgaste emocional acumulado. A pandemia de COVID-19 trouxe alguma visibilidade, mas não veio acompanhada das mudanças estruturais que o setor precisa. Ignorar este contributo tem custos: burnout, absentismo, rotatividade e perda de qualidade nos cuidados.

É uma contradição gritante: profissionais que recuperam a força de trabalho nacional veem o seu próprio esforço desvalorizado. E, ainda assim, continuam a ser a linha da frente na recuperação funcional de milhares de pessoas. Cuidar não é apenas um ato de compaixão — é um pilar estratégico de qualquer país que queira crescer de forma sustentável.

Valorizar o cuidar não é só justo — é inteligente. Os países que investem em redes de cuidados robustas têm menos desigualdade, melhor saúde pública e economias mais resilientes. O cuidar não é caridade. É política de desenvolvimento. E negligenciá-lo é um erro com custos visíveis e invisíveis.

Em Portugal, o envelhecimento da população e o aumento das doenças crónicas tornam este investimento ainda mais urgente. De acordo com o Plano Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, intervenções precoces com equipas especializadas de enfermagem podem reduzir em até 30% a taxa de reinternamento após um AVC. Este dado não é apenas clínico — é profundamente económico. Quanto mais cedo se intervém, mais vidas se reabilitam, menos famílias se desestruturam e mais trabalhadores regressam ao ativo com dignidade.

E quanto maior for o número de pessoas reabilitadas, menor será o impacto sobre os serviços sociais, os cuidadores informais e a produtividade nacional.

A enfermagem de reabilitação deve ser reconhecida como área estratégica — não apenas pela saúde que restaura, mas pelo impacto social e económico que gera. Merece financiamento estável, equipas especializadas, tempo para cuidar e condições dignas de trabalho. Sem isto, a sustentabilidade do sistema está em risco.

Valorizar o cuidar não é apenas uma escolha técnica, é uma decisão política e ética. É assumir, como sociedade, que quem trata da nossa saúde, da nossa autonomia e da nossa esperança merece mais do que aplausos — merece respeito, investimento e voz nas decisões.

Cuidar nunca será apenas despesa. É um ativo económico, social e humano. E uma sociedade que não valoriza quem cuida arrisca-se a perder quem faz a diferença. Está na hora de tornar o invisível visível — e perceber que o futuro do país começa, muitas vezes, ao lado de uma cama, com uma mão que ajuda alguém a levantar-se.

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