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Artigo de Opinião

29/05/2021 08:01

Em cena a verdade do mundo virtual das pantalhas. Os egos carecidos de ribalta que premeie existências esvaziadas; as diatribes de canalhas, o arremesso intrusivo da politiquice; a soberba da prosperidade ostentada, o voyeurismo da cobiça; o culto vazio da imagem, a fantasia e o consolo de vidas perfeitas; a bajulice descarada, a falsa solidariedade, a bondade infinita, a indulgência cínica; as conversas envenenadas nas caixas postais; a glorificação do humor reles e da estupidez.

Em cena o arrivismo alcandorado a patamares onde destoa o chinelo, a boçalidade refastelando-se em taças de champanhe e caviar; a glória desmerecida de um vilão, o busto de um patife; carroceiros de gravata e idiotas inconscientes investidos na utilidade do momento; coristas e moços de recados afanosos, prestáveis e descartáveis.

Em cena conquistas de quintal, glórias comezinhas, cadáveres pútridos que se arrastam como estrelas decadentes da filmografia americana que não pressentem a crueza da sua pequenez ou a sua morte pública.

Em cena malabarismos de ocasião, gestos de paróquia para a manha do vilão à espreita, a realidade ensaiada que embrutece as almas simples; os jogos insustentáveis do fazer de conta; a indignação calada e engasgada, o alheamento desesperançado da turba sebastianista; os bramidos farsantes dos tribunos que se opõem, confortados no colo quente de um guião que não toca as tormentas da concretização, que não sabem, nem querem manear; as ideologias desbaratadas em jogos de conveniência.

Estarei insano? talvez. Mas como eu tantos loucos deambulam por aí, amordaçando o verbo, no desencanto solitário de uma realidade entontecida, que não posso estar tão louco.

O que escrever quando tudo parece arder? O que fazer aos sonhos de um povo cansado, às ilusões que se despertaram e malbarataram, aos desejos urgentes de grandes feitos, à memória da epopeia de um país? Esmagados pela febre da conquista breve do dia de hoje, pela maquinação egoísta do capital e do poder que a ele se concubina, venal, pela fúria cega do domínio, por um sancho-pancismo servil, onde o homem se perde de si mesmo.

E para quê oferecer a beleza das palavras e o pensamento irrequieto ao charco de grunhidos que assassinam a força das palavras e a sua dança estética? Se o pensamento é inútil, não conquista multidões no pão e circo a que aspiram.

Para quê regurgitar o verbo nas cercas de um real mesquinho, da agitação altiva da conquista do nada, das vaidades enlouquecidas, do espezinhamento dos rebeldes, do enxovalho de quem pensa?

Mas é urgente um barco no mar, no tempo breve para afirmar as mechas da autenticidade, da essencialidade da vida, da dádiva que enobreça esta passagem irreal de meros átomos do universo com forma de gente.

Talvez reste só o lirismo da poesia, aquela que também se come nos pratos da alma, liturgia inaprisionável como o pensamento e que derrama a luz sobre os recantos nefastos da obscuridade. Arma que alumia os passos do inconformismo, do grito contra a iniquidade, a prepotência, a vileza, da liberdade no rosto de um ser que nasceu para levar para a morte uma vida por inteiro, de autêntica e livre realização das suas expectativas.

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