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Artigo de Opinião

29/03/2025 08:00

Chega abril e, com ele, a ressaca do primeiro trimestre. O entusiasmo de janeiro já se evaporou, os planos bem-intencionados tropeçaram na rotina, e a sensação de estagnação começa a pesar como um manto sobre os ombros. Há tanto que queríamos ter realizado, tantas promessas feitas a nós mesmos, e, no entanto, o tempo escorrega pelas mãos como areia fina.

Queria ter recomeçado a fazer exercício regularmente, mas a verdade é que as horas e as mil e uma obrigações não cedem espaço. No entanto, tenho conseguido caminhar duas vezes por semana e, mais importante, há sete meses que não sei o que são dores de ir à cama — um alívio silencioso que, de tão simples, parece quase milagroso. Queria ter terminado o romance que ando a escrever, mas li mais do que nunca e viajei, absorvendo histórias que, talvez, um dia se tornem minhas.

Nem sempre as mudanças vêm na forma que imaginamos, mas isso não significa que não estejam a acontecer. E, se pensarmos bem, neste exato momento, já estamos a viver coisas que, há algum tempo, desejávamos intensamente, e que agora, por se tornarem realidade, já não têm o brilho do inatingível. Tornaram-se rotina. Porém, quem disse que a magia não pode residir também no quotidiano?

Essa ansiedade pelo futuro, esse desejo de que tudo seja sempre melhor, é um jogo traiçoeiro. Milan Kundera, em “A Insustentável Leveza do Ser”, fala sobre o peso das escolhas e da constante inquietação do que poderia ter sido. Quantas vezes não nos observamos nesse imaginar como seria se tivéssemos feito escolhas diferentes? Mas e se, em vez de vivermos obcecados com o que falta, passássemos a ver, com clareza e gratidão, que neste preciso momento já estamos a viver a história que, um dia, foi o nosso sonho distante? Pip, em “Grandes Esperanças”, de Charles Dickens, acreditava que o seu destino estava no sucesso e na riqueza. Mas foi apenas nas reviravoltas inesperadas — e até dolorosas — que ele realmente descobriu quem era.

No fim, talvez a verdadeira arte da vida esteja em aprender a ver o que já temos com os olhos de quem ainda sonha. A busca pelo que está por vir, pela próxima conquista, muitas vezes cega-nos para a beleza que já se esconde nas dobras do presente. O hoje, por mais simples que seja, é um palco onde se proporcionam os aplausos mais honestos, aqueles que nos escapam enquanto aguardamos por algo maior. A vida não é feita apenas de grandes momentos de glória, mas de pequenas ações quotidianas, de gestos singelos e de escolhas, algumas aparentemente insignificantes, mas que vão modelando o nosso ser ao longo do tempo.

E, quando a vida nos surpreende com as suas reviravoltas inesperadas, é preciso aprender a abraçá-las com a mesma vontade com que recebemos os sonhos que um dia imaginámos. São nas curvas imprevistas que o destino se revela em toda a sua profundidade, mostrando-nos que o caminho nunca é linear, mas pleno de ensinamentos ocultos, de encruzilhadas que, apesar de desconcertantes, nos empurram para um crescimento inédito. A magia da vida talvez resida exatamente nessas mudanças que, inicialmente, parecem desvios, mas que, com o tempo, se tornam os momentos mais reveladores da nossa jornada.

Abraço, com confiança, o imprevisível. Na cambalhota que tem sido a minha vida, nos últimos meses, tenho desvendado o que ainda não sabia sobre mim, e é nisso que se têm proporcionado as maiores maravilhas da minha existência.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

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