Nestes últimos tempos sobressaiu a nossa interdependência e a necessidade de prestação de cuidados mútuos exatamente porque somos seres sociais e todos somos responsáveis por aquilo que acontece à nossa comunidade, região e país. Então esta responsabilidade de garantir hábitos preventivos deve partir de cada pessoa no seu dia a dia tendo sempre em mente os códigos e valores morais com vista à proteção dos mais vulneráveis.
De certeza irão, inevitavelmente, ficar na humanidade muitas marcas de toda esta situação. Depois de tudo passar, e oxalá passe depressa, iremos avaliar o que significou para cada um de nós esta pandemia.
Entretanto as mudanças devem começar pela alteração da lista das prioridades coletivas. Penso que a saúde pública deverá ficar em primeiro lugar na lista, depois garantir os recursos necessários para a investigação científica e colmatar as fragilidades do envelhecimento.
Paralelismos
Desde os primeiros dias em que começaram a surgir os números de pessoas infetadas com o vírus SARS-CoV-2 houve na minha mente uma associação imediata à situação ocorrida no "Ensaio Sobre a Cegueira" de José Saramago, onde são descritas cenas que nos fazem sentir um autêntico murro no estômago.
O autor tinha consciência disso. Não foi por acaso, que por ocasião da apresentação pública do livro, o autor disse: "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri para escrevê-lo. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. "Através da escrita tentei dizer que não somos bons e que é necessário termos coragem para reconhecer isso."
Para quem não leu este livro galardoado com o prémio nobel da literatura, a situação descrita é a seguinte, a cegueira branca, altamente contagiosa, que fez com que os indivíduos se sentissem como se estivessem num mar de leite, levou a que as autoridades decidissem pelo seu internamento num hospital desativado. Nesse ambiente passaram por situações sub-humanas, em que a razão perdeu muitas vezes para o instinto animal. Viraram-se uns contra os outros, acabando por emergir ali as faces mais sombrias da natureza humana.
A certa altura do livro aparece a frase: "A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos aquilo que temos à nossa frente". Oxalá esta máxima nos ajude a orientar nos próximos tempos porque bem precisamos de olhar e ver.
A ética neste momento faz questionar os princípios orientadores da vida humana. Perante a pandemia quais são os nossos códigos e valores morais?
Cumprimos as regras?
Pensamos em primeiro lugar naquelas pessoas que pertencem aos grupos
de risco?
O que nos diz a história?
Existe alguma confusão gerada por fake news, por certos extremismos, por movimentos negacionistas da eficácia das vacinas e algumas teorias da conspiração. É fundamental separar o trigo do joio. É importante garantir a veracidade das fontes, confiar na ciência e questionar a veracidade de certos conteúdos tidos como verdadeiros. Uma certa dose de ceticismo nunca fez mal a ninguém. E como diz um conhecido jornalista, "escolha os factos".
Alguns historiadores que referem que os humanos nunca aprenderam com as pandemias ao longo da história e que as mesmas nunca causaram mudanças no comportamento das pessoas. Não quereria ser tão pessimista. Podemos usar História a nosso favor. Aprender com o passado, para compreender o presente e preparar/prevenir o futuro nunca deveria passar de moda.