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Artigo de Opinião

28/05/2023 08:00

Aquela sentença da sabedoria popular significa que é sempre possível persuadir outrem, desde que se tenha o engenho e a arte para o fazer e nunca, como agora, foi tão assertiva. Para onde quer que se volte, há alguém à espreita com um fardo de palha, a querer fazer-nos de burro e com a maior ou a menor habilidade para no-lo dar a comer. É tanta a palha que não é fácil destrinçá-la do cereal ou do grão. Todos, nalguma circunstância da vida, já fomos os burros que comeram a palha que alguém deu. Seja por ilusão sentimental, ignorância, ingenuidade, descuido ou sadia confiança, todos já deixámos que nos servissem habilmente uma qualquer quantidade de palha que comemos satisfeitos. Como disse o poeta maior: "o mundo é para quem nasce para o conquistar e não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão". E nesta conquista desabrida vem prevalecendo a matreira esperteza, a desempoeirada saloiice e vilanagem que pretende fazer dos outros burros, mesmo que num insulto desavergonhado à sua inteligência. Até a legião de imbecis, de que falava Umberto Eco, que dantes só protagonizava na tasca, se vê hoje empoderada por uma qualquer tirada ou ridicularia nas redes sociais, qual fardo de palha sem substância ou qualidade e se alcandora numa projecção universal, pois alcança sempre um eco seguidista de um cretino de igual jaez que a admira e come.

Aquele adágio parece ter aplicação em quase tudo na vida, mas há duas áreas em que encontra o seu expoente de aplicação, o da publicidade e o da política, ou melhor, da politiquice. A publicidade tem o condão de nos fazer comer a palha que nos querem impingir, de formas imaginativas e algumas até geniais e bem-humoradas. E como essa é a sua função, de cativar habilmente a procura, não vem daí mal ao mundo. Já na politiquice é bem mais nocivo. E é ver os politiqueiros, altivos e engomadinhos, a servir resmas de palha que a malta alegremente vai papando sem se aperceber sequer que lhe crescem as orelhas, como as dos nossos amigos que zurram. E se alguma das efusivas personagens tem a noção de que estará fazendo alguém corar de vergonha alheia, por galambas descaradas, tanto se lhe dá porque há uma multidão que come a palha e relevante é a récua na sua maioria, aquela cuja vontade é quem mais ordena. De permeio uma horda de emissários sequiosos vai distribuindo fardos, sem rasgo imaginativo ou inovador, qual palha a chover no molhado, só para marcar presença ou se pôr em bicos de pés para algo. Muitas vezes num jogo sabujo, desenfreado, desleal e sem ética para se fazer chegar a um poleiro. Mas afinal como destrinçar a palha do cereal ou do grão? A minha avozinha, na sua iletrada quarta classe, dizia que a cabeça não se fez só para criar piolhos e que a primeira pergunta a fazer quando nos apresentam um fardo de palha, é procurar saber o que move a personagem, que interesse a faz correr verdadeiramente e logo aí muitas respostas avultam. Curioso é também indagar se a figura comunga dos mesmos sonhos, se está no mesmo patamar de corrida ou de condição ou se está unicamente a querer ludibriar-nos como objecto para a satisfação de um proveito que não o nosso. Relevante se torna assim descortinar o que me identifica ou serve os meus interesses e propósitos. Porque a verdade que sempre se procura, como um desígnio absoluto, é de que afinal não há verdade nenhuma. Há a minha verdade, a deste, a daqueloutro e aquela que alguém quer impingir, numa trambiqueira fantasia de verdade universal.

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