De repente, há alarme por todo o lado. Insatisfação na saúde, protestos na educação, sobressalto no preço dos bens essenciais, pânico no valor das rendas e do crédito à habitação e a incrível trapalhada da TAP. O caldo perfeito para o despertar e revolta da classe média, esmagada até ao limite pelas opções ideológicas do governo.
O PS, à boa maneira socialista, tenta sacudir a água do capote e culpar tudo e todos, quando a verdade é só uma. Estamos todos mais pobres e a ser ultrapassados por países do Leste que há poucos anos entraram para a União Europeia. O salário dum trabalhador português vale cada vez menos. O resultado está à vista.
E o Governo limita-se a cozinhar propostas de última hora. Veja-se o que se passa com o programa "Mais Habitação". Todo o pacote de medidas apresentadas, para fazer face às dificuldades de acesso a uma moradia, parece surreal e condenado ao insucesso. O arrendamento coercivo é o caso mais paradigmático. Mas há uma outra proposta, de que pouco se tem falado, que me parece deveras absurda. O licenciamento zero para a construção de novos fogos.
Do nada, embrulhado no pacote, o Governo acaba por culpar também as autarquias pela escassez de oferta no sector. Durante décadas a produzir legislação que aperta até ao limite qualquer licenciamento de novas obras, vem agora o executivo de António Costa propor o licenciamento zero para novas construções.
Quer o Governo dizer que, como as câmaras municipais empatam a emissão de alvarás de construção, a solução é deixar a responsabilidade do processo nas mãos dos técnicos responsáveis pelo projeto de arquitetura. Como já está em vigor para obras de remodelação no interior de edifícios existentes, quer o Governo, com a nova proposta, que o técnico declare a legalidade de todo o processo e a obra arranque de imediato, sem uma prévia avaliação e aprovação camarária. Uma revolução.
Só não se compreende como é que o Governo, que sempre desconfiou da idoneidade dos técnicos camarários bem como da seriedade dos autarcas eleitos, e que, com dezenas de diplomas legislativos, atravancou todo o processo de licenciamento, que culminou com as malfadadas providências cautelares, com a justificação da transparência, da salvaguarda da legalidade e até do combate a eventual corrupção, vem agora deixar tudo nas mãos dum técnico autor do próprio projeto.
Será que o Governo tem mais confiança num técnico que está ao serviço dos privados? Estará o Governo consciente do impacto que terá um embargo subsequente quando a Câmara verificar que não estão a ser cumpridas as normas legais? Estará o técnico responsável capacitado para garantir a legalidade de todo o processo, atendendo não só às regras de construção, mas também aos pareceres externos, ao ordenamento do território ou à legitimidade do requerente?
Nem parece que António Costa foi presidente da Câmara de Lisboa, desconhecendo a complexidade processual em questão. Ou então julgará que todo o País é uma grande Lisboa, ignorando a multiplicidade e especificidades das diversas regiões.
Diz o Governo que a medida ainda está em estudo. O mais certo é que morra na gaveta. Ou será o caos no sector. Porque estamos muito longe da Escandinávia.
Emanuel Gomes escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas