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Artigo de Opinião

2/04/2022 08:00

O algodão-doce é uma guloseima feita com açúcar cristalizado com a silhueta algo tosca de uma bola grande de algodão branco, ou de outras cores, enfiada num palito. O seu aspecto de doce gigante é apelativo e tem o condão de encher o olho das crianças, produzindo um efeito de empoderamento e satisfação deslumbrada da sua gulodice. O seu sabor fortemente adocicado também satisfaz o desejo de requinte, como o célebre chocolate, em especial nas criaturas mais ávidas.

Mas como os que ainda se lembram sabem também a principal característica do algodão-doce é a sua breve sobrevida e a sensação de vazio que deixa quando toda aquela pujança volumosa e colorida se transforma afinal e num ápice, num residual sabor a nada ou num pequeno travo a açúcar na boca. E quanto maior a apetência e o pendor deslumbrado maior se torna a decepção e o arrepio esvaziado na alma.

A sensação de empoderamento e deslumbre que o algodão-doce proporciona às crianças parece também acometer a perspectiva de poder que possuem alguns agentes que asseguram ou pretendem almejar a administração da coisa pública, esquecendo-se da sua natural e desejada efemeridade, tal qual a breve sobrevida do doce.

Ao contrário do desejo egoísta, desmesurado e deslumbrado pela guloseima, colectivamente inócuo, a postura ali tem de ser de instrumentalidade, equilíbrio e sobretudo responsabilidade e justificação. O poder há-de ser perspectivado na sua transitoriedade e fundamentalmente num serviço à comunidade e nunca como um fim em si mesmo ou uma deslumbrada conquista de vaidade ou aproveitamento, como se se segurasse embevecido o palito do doce.

Para quem assim não se represente sempre se dirá que do mesmo passo e com as mesmas formas com que o agente o conquista, do mesmo passo e com as mesmas formas o pode perder e experimenta o sabor acre de o ter visto fugir para outras paragens, tal qual a sensação esvaziada do algodão-doce.

Lateralmente será de referir a habilidade que alguns têm, e outros não, para fazer render o adocicado na boca e de tornar a passagem uma experiência vantajosa ou enriquecedora.

Nas democracias o poder é limitado, transitório e escrutinado e quanto mais assenta em condicionantes circunstanciais e habilidosas, diz a experiência que, como a fluidez do algodão-doce, cedo se esvai. Tanto mais rapidamente quanto menos o agente o espera ou o seu deslumbramento cego o impeliu. Quanto menos substancial e segura for a sua assunção, mais descartável e ligeira será a sua perda.

Os sorrisos e as lágrimas das noites eleitorais hão-de ser contidos e proporcionais na conquista ou insucesso da afirmação de valores e soluções de um ideário político que num dado momento da vida social se sufragaram ou rejeitaram, mas nunca como um mero drible futebolístico de vitória ou derrota e seguramente menos como uma ambição pessoal mesquinha e gulosa que se esboroa, tarde ou cedo, como o algodão-doce na boca.

Para quem tem uma noção enviesada do poder, há que relembrar que seguro mesmo e digno de consideração permanente são as especialidades, as carreiras e os talentos, o recanto certo e orgulhoso para onde se regressa depois das lágrimas das noites eleitorais. Os sorrisos vão-se na insustentável leveza do algodão-doce.

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