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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

15/02/2022 08:00

Da última vez que estive em Sélestat, celebravam-se os 500 anos da primeira menção escrita à árvore de Natal, e, na sua Biblioteca Humanista, encontrava-se exposta uma carta que Damião de Góis havia endereçado a Beato Renano. Imaginei o percurso daquela missiva, vi a língua franca com que fora escrita, o latim, vernáculo do humanismo de então e de uma Europa dos valores em construção, e fui transportado por cinco séculos. Esta é a nossa casa. Somos também filhas e filhos de Sélestat, mesmo que nunca tenhamos ouvido falar dela. Do humanismo, como da liberdade, não basta o cognome. Se não os exercermos, estiolam.

A segunda dose, tomei-a na Place de la Bourse (Praça da Bolsa), em Estrasburgo; talvez uma referência irónica ao disparar do preço das acções das farmacêuticas que, muitas vezes, com o auxílio de dinheiros públicos, desenvolveram a sua pesquisa no domínio das vacinas contra a covid-19. A equidade vacinal não se atingirá se continuarmos a olhar sobretudo para a bolsa.

Quanto à terceira dose, tomei-a em Schirmeck, que acolheu o único campo de concentração em território francês - de Natzweiler-Struthof -, então anexado pela Alemanha nazi. Tudo começou quando, em finais de 1940, os nazis descobriram um filão de granito rosa e o quiseram explorar. Mais tarde, também se construiu um forno crematório, um certo «fordismo» da morte. Aí, ergue-se hoje o memorial da deportação, um «mausoléu para os milhares de corpos desconhecidos» reduzidos a cinzas.

A ditadura salazarista ainda hoje nos entorpece a memória, que só consegue ser reavivada com iniciativas louváveis como o recente colóquio organizado pela Biblioteca Nacional que homenageou Maria Archer, mulher e escritora censurada durante o Estado Novo. Feminista de vanguarda, democrata e anticolonialista, batia-se, pois, contra a essência da ditadura. Fazia algo que é intrínseco à democracia: perguntava «porquê?». Foi dito que Maria Archer ajudou a treinar o olhar do jurista para que pudesse ir além da aplicação fria da lei, questionando-a. Talvez isto fosse um bom ensinamento relativamente ao descalabro de se terem anulado mais de 80 % dos votos da emigração nas últimas legislativas. Porquê?

De São Vicente, brotou Ana Cristina Pereira, que nos ajuda a não virar a cara aos problemas da (quase) ilha em que vivemos. Escreveu Mulheres da Minha Ilha, Mulheres do Meu País. Uma dessas mulheres é uma Andorinha pelo céu e conta, por exemplo, que quando a mãe lhe disse que uma menina não se senta de pernas abertas, ela retorquiu «porquê?». Outra destas mulheres do país de que eu gostaria de fazer parte é Mariana Camacho, dona de uma fala franca e de muitos talentos. Criou e interpreta a música para Esta é a minha história de amor, em que os protagonistas são os que amaram e resistiram ao fascismo, sublimando talvez o mais importante: os «actos de resistência na vida quotidiana». Numa altura em que, em Portugal - o mesmo país que deu honras de Panteão a Aristides de Sousa Mendes -, se elegeram doze deputados da extrema-direita abertamente racista e xenófoba, é premente fazer uma análise introspectiva, ver onde estamos a falhar e atacar as causas, pois não fazer nada é compactuar com esta situação insustentável.

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