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Artigo de Opinião

15/10/2022 08:00

Também o cristianismo, e as suas manifestações simbólicas, concedeu ao vinho um carácter sagrado. Portugal é um país de produção vitivinícola e, em sua defesa, Salazar disse que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses. E de beber, já que também não era invulgar ser acordada com os jornaleiros da agricultura uma quantidade de vinho como pagamento em espécie, que o afanoso trabalhador emborcava até à última gota. Nesse tempo, a miséria e a ignorância tornavam comum dar-se às crianças, ao pequeno-almoço, as chamadas sopas de cavalo cansado, feitas com vinho, como fortificante antes de encarar a escola ou o trabalho, tal qual se fazia com os animais cansados para os retemperar e energizar.

Acreditava-se nas virtudes terapêuticas do álcool e para prevenir maleitas não era incomum tomar-se, como mata-bicho, um dedalzinho de aguardente ou de grogue, prática a que até as tias e as avozinhas não eram alheias.

As bebidas alcoólicas estão presentes na maioria dos actos de socialização, constituindo quase um factor obrigatório. Não há encontro ou festa que não apele ao consumo: "vai uma ponchinha? ou talvez uma cervejinha?" Seja o que for vai e escorre. Dir-se-á que é de desconfiar das almas que alegam nunca ter provado uma pinga e que tomado com moderação o vinho acompanha bem qualquer refeição, sem que daí venha mal ao mundo. Não obstante, o consumo de bebidas alcoólicas, sobretudo destiladas, fez a sua entrada exageradamente triunfal nos meandros da socialização da juventude.

Em tempos ia-se às discotecas, que fechavam às quatro da manhã, e bebia-se uma cerveja ou outra para descontrair o ânimo e catrapiscar um namoro. Hoje, os jovens bebem sofregamente toda a espécie de bebidas até ao princípio da manhã. E o fito parece ser exclusivamente o álcool e a maior alucinação que puder provocar. O empoderamento e a invencibilidade que a sensação alcoólica transmite, faz urdir cenas de pugilato ou arrastar-se combalido pelos passeios ou até aportar aos hospitais em coma alcoólico. E atrai cada vez mais menores de idade relegados ao olhar indiferente da ganância de comerciantes sem escrúpulos. É curioso como o Estado anda preocupado com o fumo do cigarro e as campanhas aterradoras nos maços de tabaco e parece levianamente condescender com este emborcar alucinado que, seguramente, se tornará um problema de saúde pública.

O estigma do alcoolismo está associado à marginalidade, o tipo que anda sempre com a mesma de canto a canto e acaba vivendo na rua. São menos visíveis os chamados alcoólicos funcionais, os tipos que irresistivelmente escorrem por dia uma garrafa de vinho ou mais ou uns quantos whiskies e que trabalham, conduzem e fazem uma vida aparentemente normal.

Como dizia a Mariquinhas no fado, que dar de beber à dor é o melhor, há sempre uma razão que impele ao consumo, um problema, uma insegurança, uma ansiedade, onde o alcoólico encontra justificação. O álcool alegra, descontrai, suaviza e mascara ansiedades e problemas e quando alguém dá por si já o álcool lhe tomou conta da vida. O álcool destrói vidas, relações familiares, carreiras, numa voracidade imparável nem sempre perceptível, cuja maior dificuldade é a assunção pessoal do problema.

E por mais que se queira escamotear ou diferenciar consoante o freguês, o vício do álcool assume um pendor democrático, atinge por igual todas as condições sociais e económicas.

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