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Artigo de Opinião

28/04/2025 08:00

Em tempos de descontentamento e crítica fácil, parece cada vez mais urgente lembrar de onde viemos para compreender verdadeiramente onde estamos. O desânimo, muitas vezes amplificado por discursos hiperbolizados e pela demagogia, esquece que Portugal percorreu, nos últimos 50 anos, um dos mais extraordinários processos de transformação social, económica e cultural da Europa.

Antes de 1974, Portugal era um país profundamente marcado pela pobreza, pelo atraso educativo e pela repressão política. A taxa de alfabetização dos adultos rondava os 70%, havendo regiões inteiras com enormes níveis de analfabetismo. A educação secundária e superior era privilégio de poucos: apenas cerca de 37% dos jovens frequentavam o ensino secundário e não mais de 7% acediam ao ensino superior. A mortalidade infantil era avassaladora — cerca de 42 mortes por cada mil nascimentos vivos — e a esperança média de vida mal chegava aos 70 anos.

A sociedade portuguesa era fechada, rural, hiper-religiosa e impregnada de um espírito de resignação e superstição, fomentado por décadas de censura, propaganda e isolamento internacional. Em termos de habitação, a realidade era igualmente sombria: cerca de 25% da população vivia em condições precárias, sem acesso a água canalizada, eletricidade ou saneamento básico.

No entanto, se o cenário do país continental era já alarmante, o que se passava nas ilhas portuguesas a meio do oceano Atlântico estava longe de ser imaginável para muitos.

A Madeira, isolada e subdesenvolvida, era uma terra marcada pela pobreza extrema e pela falta de infraestrutura.

A ilha não tinha, por exemplo, rede de saneamento em muitas das suas localidades, e a eletricidade era um luxo limitado a poucas áreas urbanas. As condições de vida nas serranias e em muitos dos pequenos núcleos de povoamento eram particularmente difíceis.

Com estradas estreitas e muitas vezes intransitáveis ou inexistentes, a mobilidade das pessoas e o transporte de bens era uma tarefa hercúlea. A partir da década de 1960, o turismo começou a crescer, mas eram poucas as infraestruturas que realmente davam apoio ao setor, sendo a maior parte da população madeirense dependente da agricultura, de pequena escala e voltada para o consumo local.

O isolamento da Madeira não se limitava à distância geográfica. Até 1974, as relações comerciais e políticas com o resto do mundo eram restritas, e as ligações com o continente eram feitas principalmente por barco, o que limitava o desenvolvimento económico e social da região.

A educação era extremamente deficitária, e a população estava, na sua maioria, à mercê de um sistema de ensino que não atendia nem às necessidades locais nem à preparação para os desafios do futuro.

Hoje, 50 anos depois da Revolução de Abril, Portugal é irreconhecível face a esse passado. A alfabetização é praticamente universal; o abandono escolar precoce caiu para valores residuais; mais de 75% dos jovens frequentam o ensino superior.

A esperança de vida aumentou para cerca de 80 anos nos homens e 85 nas mulheres, e a mortalidade infantil caiu para apenas 2,3 por cada mil nascimentos — um feito de civilização que muitos países ainda invejam.

Em termos económicos, o salto é igualmente evidente. Apesar dos problemas persistentes, como salários médios ainda modestos e uma crise habitacional urbana, a pobreza diminuiu para cerca de 17%, e Portugal integrou-se plenamente nas cadeias globais de comércio, inovação e turismo. A entrada na União Europeia em 1986 foi um marco histórico que consolidou este caminho de abertura, modernização e crescimento.

Não se trata de ignorar as dificuldades presentes — elas são reais e merecem ser enfrentadas com seriedade. Mas só com memória histórica poderemos fazer essa avaliação de forma racional, sem cair em exageros fáceis nem em saudosismos sem sentido. Esquecer o ponto de partida é perder a perspetiva do caminho percorrido.

A grande vitória da Revolução de Abril foi precisamente esta: a libertação de um povo aprisionado pela ignorância, pelo medo e pela miséria. A construção de um país livre, aberto ao mundo, onde os direitos são reconhecidos e as oportunidades, embora ainda desiguais, são incomparavelmente mais amplas. Não há comparação honesta possível entre o Portugal de 1974 e o de 2024.

A memória histórica não é um exercício de nostalgia: é a base para a responsabilidade cívica. Sem memória, cada dificuldade atual é vista como um apocalipse. Com memória, cada dificuldade atual é percebida como mais uma etapa de um longo e orgulhoso caminho. Celebrar Abril é, antes de tudo, reconhecer que somos herdeiros de uma conquista colossal — e que é nossa responsabilidade continuar a construí-la, com exigência, mas também com gratidão.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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