MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

1/05/2022 08:10

O que mais gostava desses tempos é que havia dias para fazer as coisas. Mesmo aquelas que estavam sempre mais ou menos disponíveis, raramente era um ato aleatório, que a vida tinha a sua organização e o ritmo era imposto pela terra e pelas estações do ano, que eram, à altura, coisa em que se fiar. Tão certo como o borda d’água.

Assim a 1 de maio era dia de ir para a serra e tinha de se ir cedo para conseguir bom poiso, para se estender a manta. E a coisa começava uns dias antes com a decisão sobre o melhor local para assentar arraiais. Depois era o farnel, se era boa ideia levar carne e fazer uma espetada - e será que haveria lugar para fazer brasas? - ou se seria melhor levar tudo pronto de casa, talvez um atum de escabeche, e desfrutar dos ares, que "lá por cima" eram sempre melhores e faziam bem a grandes e pequenos. E não se pense que eram decisões fáceis, que "cada cabeça sua sentença" e às vezes dava briga e amuos ainda no planeamento. Uns queriam ir para um lado e outros para outro. Ainda bem que era uma terra pequena.

Ultrapassados os dissabores da discordância, mais cedência, menos cedência, a mãe mal dormia com a lista de afazeres da manhã que chegaria. Começava os preparativos de madrugada e quando acordávamos já estava tudo encestado e pronto a arrumar. Era um aparato: A toalha aos quadrados que não faltava, os pratos, os copos, os talheres. Um piquenique com as condições de casa. E o cheirinho a bolo ainda quente. A capacidade de trabalho da mãe impressionava sempre, mas ela tendia a desvalorizar e que não tinha dado maçada nenhuma. Talvez seja aquilo de "quem faz por gosto não cansa" e notava-se a felicidade, que camuflava dores ou cansaço, quando via toda a gente deliciada com os petiscos, que, como o ar, eram melhores na serra e o desgosto de quando se apercebia que tinha esquecido algum utensílio, que obrigava sempre ao improviso.

Às vezes chegávamos tão cedo que as nuvens ainda pairavam ou havia aquela neblina quase nevoeiro. Os vencidos atiravam que noutro lado é que estava bom e os meteorologistas de serviço garantiam que ainda "ia abrir". E normalmente o sol brilhava sobre aqueles trabalhadores em descanso. As mulheres passeavam, os homens jogavam à bola ou às cartas e os garotos corriam e jogavam jogos de outro tempo, hoje chamados tradicionais. A dada altura "o corno", já quase reservado a estas romarias, corria de boca em boca e os adultos riam sempre. Ninguém sabia o que era uma pandemia e o único bicho que conheciam era aquele que transformava o vinho em vinagre. Uma desgraça. Voltávamos sempre cansados e às vezes comprávamos um colar de maios aos meninos que vendiam na estrada e que pendurávamos ao pescoço. Os pequenos adormeciam pelo caminho exauridos e a mãe acabava o dia já fora de horas a arrumar a parafernália de coisas que levávamos para a serra, no dia em que também a homenageávamos.

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