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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

2/07/2021 08:00

Escrevo esta crónica no barco, rumo ao Porto Santo, onde eu e a Pat vamos passar a lua-de-mel. Escrevo à mão, num caderno cheio de folhas riscadas. Há vários dias que tento ordenar as palavras, mas não encontro o trilho. Quero contar o dia do nosso casamento, mas a história surge-me caótica e fragmentada, pedaços de luz esvoaçantes, estilhaços cintilantes, estrelas cadentes no céu da minha alma. Foi o dia mais feliz da minha vida. Porém, faltam-me palavras para dizer isso.

A Pat diz que eu tenho dificuldade em transmitir os sentimentos mais intensos. É verdade. Ela tem razão. Quem me lê, pode pensar que não é assim, mas quem está perto sabe que não digo sequer metade do que sinto. Ela também diz que me preocupo mais com o aspeto literário do texto do que com a energia do conteúdo. É verdade, sim senhor.

Ela diz:

- Deixa as palavras e vem ter comigo.

Eu respondo:

- Tu também és as palavras.

Outras vezes, porém, ponho-me a lamentar:

- Tu não percebes. Isto é a minha obra. É tudo o que vou deixar. Eu sei que não tem valor. É uma obra medíocre. Não expressa a plenitude do meu ser e nem sequer está bem escrita, mas é tudo o que tenho para legar ao tempo por vir. É a minha obra completa e ficará perdida nas páginas de um pequeno jornal, numa ilha que mal se vê no mapa-múndi, até que se dissolva no infinito e seja nada. Nada mesmo. Percebes? Nada puro.

A história do casamento agita-se no mar da Travessa e o balanço oceânico traz-me à lembrança um certo dia em que eu e a Pat fomos almoçar aos Prazeres e depois saímos em passeio pelos arredores. De repente, começou a chover. Abrigámo-nos debaixo da sacada da garagem de uma casa e ficámos um bocado à espera. A casa parecia meio abandonada e as nossas vozes ecoavam no interior, como se não houvesse nada lá dentro a não ser o que dizíamos.

Foi ali que eu lhe falei da canção ‘Chegaste’. A Pat não a conhecia e, além disso, achou a dupla Roberto Carlos e Jennifer Lopez muito estanha, quase improvável. Procurei então no telemóvel e pu-la a tocar. Dizia quase tudo sobre o nosso amor, já numa idade madura, com muita estrada percorrida e tantos sonhos desfeitos no passado, porque nunca, nunca é tarde para apaixonar-se.

E não é mesmo.

Três anos depois, no sábado passado, descemos à Praia Formosa, eu e a Pat, para nos casarmos no lugar onde nos vimos pela primeira vez, e caminhámos de mãos dadas em direção à pérgula ao som daquela música - chegaste, senti na minha boca um te quero - e todos os que lá estavam deram palmas à nossa passagem, todos felizes, com roupas leves, coloridas, bonitas.

Eu ia a sorrir - necessitava um amor sincero - e a Pat estava linda, mais linda ainda do que no primeiro dia, com um vestido branco a cair-lhe tão bem e o cabelo longo e loiro, cheio de ondas e magia - ouvi da tua boca um te quero - o dia perfeito, a luz perfeita, o olhar luminoso, intenso.

Ela tira os sapatos de salto alto e avança descalça sobre a areia cinzenta - você e o seu sorriso iluminam minha vida e meus espaços - e eu ali tão orgulhoso ao seu lado, com sandálias de couro, calças de cordão arregaçadas à altura dos tornozelos, uma camisa branca de manga curta. Juntos ouvimos os termos da República Portuguesa usados no casamento civil - são pura poesia - e dissemos sim, aceito - sim, aceito.

Depois, sopraram bolas de sabão sobre nós e o saxofonista continuava a tocar - quem diria que você viria sem dizer que vinha - e eu dali vejo que a aliança brilha na minha mão esquerda como nada antes brilhou na minha vida. A Pat diz em voz alta que está feliz, tão feliz por partilhar o momento com as pessoas mais queridas e depois eu pego no microfone e digo:

- Tudo o que eu tenho a dizer é que amo esta mulher!

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