O que esperava é que à medida que ia somando perdas, o fardo da vida pesasse menos. E que o corpo ganhasse leveza. Mas não, pesava-lhe nos ossos todos o vazio que ia ganhando em si. Ninguém sabe o que pesa uma alma que soma mais mortes do que vidas. Era como se em cada umas das partidas estivesse em contagem decrescente para a sua finitude.
Era nisto que “quebrava a cabeça” toda a noite e por isso não dormia. Hierarquizava as cadeiras metafóricas e vazias em seu redor, por ordem de importância e parecia-lhe restar muito pouco. Às vezes nada. De manhã garantia, porém, que estava tudo bem e que não era preciso nenhum comprimido para dormir. E justificava contando as pastilhas que tomava do acordar ao deitar. Mais de dez e nenhuma que lhe tirasse o peso do vazio, que lhe fazia doer as articulações do espírito. Anatomia não era o seu forte, só tinha a quarta classe.
Começava a matutar que a sua vida se resumia a contagens. Quanto mais somava, menos tinha. Talvez já não estivesse bom da cabeça, mas rejeitava mais um remédio à noite. Não, não era por ter medo de dormir tanto que já não acordasse, como os outros pensavam. O receio era outro: E se tivesse a perder o juizinho e com os remédios nem desse conta? – Era só mais esta que faltava perder agora!, meditava nas noites de insónia somadas, multiplicadas e jamais subtraídas. Sempre foi bom de contas, uma pena não ter prosseguido os estudos.
A mãe, o pai, a mulher, o irmão e quantos amigos já cá não estavam? Pensava neles todos um a um. Às vezes rezava por eles, mas também por si, na esperança de adormecer em paz. Talvez sonhasse, com uma vida onde coubessem todos e o espaço ocupado não fosse peso, mas ligeireza.
Jogava às cartas madrugada fora nas noites sem dormir. Com ele próprio e com as suas ausências. E mesmo com os trunfos todos, acabava sempre por amanhecer derrotado, pesaroso e cansado.
Tomou, por fim, o comprimido. Dormiu melhor nessa noite, mas não se livrou de acordar consciente. E pela primeira vez pensou se não seria melhor perder o juizinho.