A história de Marisa, em África, o final
Anos se passaram, e no ventre da minha mãe um milagre crescia. Foi no Natal de 1975 que nasceu o meu irmão Tomás, em honra do meu tio. Mas, o que prometia ser um sinal de renascimento e recomeço transformou-se numa das experiências mais caóticas das nossas vidas.
Na Metrópole, agora Portugal, ocorreu uma revolução por uns, chamada de Cravos, por outros, 25 de abril, mas com um denominador comum, aquela que mudaria as nossas vidas para sempre. A ditadura de direita comandada por Marcello Caetano foi derrubada e como peças de dominó empurradas por uma falangeta invisível, as colónias foram conseguindo a independência. Angola viu-a surgir no dia 11 de novembro de 1975.
Ali, agora, éramos portugueses e as nossas vidas corriam risco, como nunca. O caminho era o da fuga, mas como? A minha mãe carregava, com peso, o meu irmão no ventre. Não podia… estávamos retidos pela esperança.
Duas ou três semanas após o seu nascimento, já no ano novo de 1976 conseguimos embarcar num avião da TAP, na denominada “ponte aérea” e seguimos rumo ao desconhecido.
Lisboa mostrou-se fria, naquela manhã de janeiro. Dentro da arca de madeira poucas peças dariam luta àquela temperatura. Mas, fosse todo o frio o da atmosfera.
Santarém não nos recebeu bem. Não éramos portugueses, não éramos angolanos. Não éramos nada… nada, outra vez.
Ocupamos uma casa desabitada cujo dono desconhecíamos, num monte afastado e isolado, pedimos a ajuda do Estado que nos providenciou um montante de sobrevivência.
Os canaviais foram trocados pelas lezírias, o chão quente do verão eterno, pelo chão gélido de inverno e escaldante de verão. Já não havia Leão, Jamila ou Felismino, terra a perder de vista ou mar afastado pelas chaimites.
Angola cuja terra devorava os meus tios e primos tornara-se estranha e hostil. Tal como Portugal.
– Somos diferentes, somos porventura mais modernos, avançados, arejados. Podemos fazer algo com o que Deus nos deparou. – Disse a minha mãe numa ânsia de fazer progredir aquela terra tacanha e cicatrizada por décadas de “deus, Pátria, Família”.
Não foi fácil, mas foi possível. O meu pai arranjou emprego numa quinta e a minha mãe numa repartição pública. Compraram o monte. Eu segui os meus estudos e licenciei-me em engenharia civil, uma área pouco feminina, mas que me providenciou um futuro. O meu irmão é médico e voltou à terra cujo ar respirou por pouco mais de três semanas, integrando uma missão da Associação Médicos do Mundo.
Pisou a terra do verão eterno, voltou a nossa “machamba”, mas lá já não havia nada… nada.