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Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

11/02/2021 08:06

Eu já enfeitei o corredor da vinha com serpentinas de todas as cores atirando aqueles rolinhos delas com força de um lado para outro. Os confetis são quase proibidos. "Se quiseres fazer cisqueirada com isso, vais varrer o terreiro depois". Sentença de minha mãe.

Depois do almoço, vamos todas para o balcão da avó ver os mascarados passar na vereda. "Olha o mascaradinho". Eles vêm aos bandos com as máscaras de olhos tordos, arranjados com as roupas que há em casa. Trazem os cabelos escondidos debaixo dos lenços ou das meias de senhora e não falam para não serem conhecidos! Fazem um barulho estridente com a língua a pressionar os dentes da frente. Trazem um bordão por causa dos cachorros da vizinhança que podem morder. E pedem malassadas numa voz falsa.

Este ano meu pai quer se vestir de mulher. É difícil vestir um homem de mulher. É para fazer uma graça! Minha mãe fica espantada com aquilo se ele sempre se vestiu de soldado! Vamos ao telheiro buscar a mala de viagem da América, que agora só serve para a excursão da Ponta Delgada! Naquela rebaldiaria, há de tudo lá dentro! Roupas que vieram da América, roupas que já não nos servem, roupas fora de moda e que não se deitam fora, porque não se tem coragem. Entre essas fatiotas, há histórias e lembranças em cada peça. E minha mãe escolhe para meu pai um vestido pelo joelho, porque os vestidos compridos não lhe servem. São precisas umas meias escuras para ninguém lhe ver os pelos das pernas. E isso não há em casa. A tia Elvira, que também é grande, desenrasca umas meias velhas e diz que não as quer de volta. Menos mal! Meu pai está pronto. Um lenço florido na cabeça, outro de tons diferentes no pescoço! Tudo "desconduzido", mas está bom assim. Minha mãe está a vestir um mascarado! Nos braços, enfiadas pelas mãos acima até quase aos cotovelos, meias pretas. Meu pai já está afogueado com a máscara e levanta-a para a cabeça! Faltam os sapatos. Não há sapatos de mulher que lhe sirvam! Minha mãe diz "Tu devias era ir de soldado!" Meu pai responde "Não, isso já está muito batido!" E meu pai leva os seus sapatos amarelos, como ele diz, mas que na verdade são castanhos, número 45. E quando meu pai se baixa para calçar os sapatos com aquela indumentária de senhora, a gente vê-lhe o formato das pernas até lá cima e rimos. Rimos muito. Parece a avó, a mãe de meu pai! Tal e qual. Justamente a avó. Ele não se desconcerta, porque já está habituado a que a gente ria dos diriges dele. E sai pela porta de trás da casa. Finge que está a chegar à nossa casa pela parte da frente, vem pelo terreiro para cá debaixo do corredor da vinha, à sombra das laranjeiras, até à porta da cozinha. Isto para os vizinhos pensarem que não é ele, mas o nosso Marquês começa a lhe fazer festas e a saltar por ele acima numa loucura como só os cães fazem aos donos. A gente ri. Ele diz: "Estou trompicado com isto! Vocês que calem a boca". Ficou ali um pedacinho a executar gestos de conversa que não existe só para os vizinhos pensarem que é um mascarado de longe e depois diz: "Bem, vou-me embora acolá cima, fazer uma graça à casa do tio Guilherme". E vai. Mas antes de passar o portal da porta do caminho, avisa: "Vocês que agarrem no Marquês!" Sim, mas o Marquês tem força de leão e foge-nos por entre as mãos e corre, corre, na vereda ao encontro do dono. Vai a ladrar baboso ao lado de meu pai, umas vezes à frente, outras vezes atrás! Parece que percebe que é dia de fazer tontices e deita-se na vereda a sacudir-se todo de patas para o ar! Meu pai deve ir estuporado com aquilo. Olha mais uma vez para a nossa casa, levanta o braço a despedir-se, na verdade a reclamar. Na mão uma carteira minúscula!

Vê-se logo que é um homem! E a gente ri.

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