No outro dia, numa daquelas livrarias da baixa chiado de Lisboa, deparei-me com a obra de Eça de Queirós, Uma Campanha Alegre. Livro publicado em Lisboa pelos anos de 1890, mais de um século. Esta obra faz um retrato da sociedade e da cultura portuguesa da época.
Mas como era Portugal há 150 anos? Um país profundamente diferente do que é hoje certamente. Marcado por pobreza, instabilidade política e uma estrutura social ainda muito tradicional. Resumindo, era um país pobre, rural, pouco industrializado, com uma monarquia frágil e uma cultura elitista.
Mas será que esta imagem é muito diferente daquela que nos apresenta nos dias de hoje??! É a reflexão que proponho na crítica de hoje. Revisitando as páginas de Eça de Queiróz, cito:
“O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguel.”
Isto foi escrito em pleno século XIX, há 150 anos atrás. Eça, Ramalho Ortigão e outros da chamada de geração de 70, encerravam as suas obras procurando despertar os portugueses, acordar gentes que se deixavam levar pelas repetitivas promessas de uns quantos. Comparando esta “imagem” com a nossa sociedade atual, certamente que muitos se revêm nestas palavras que parecem descrever o Portugal de hoje com mais precisão do que muitos discursos parlamentares recentes.
É certo que a nossa sociedade evoluiu. Sem dúvida, há progresso. Hoje, somos uma democracia consolidada, com sistema nacional de saúde, ensino público e liberdade de imprensa... Mas ainda existe uma miséria e uma pobreza estrutural; um sistema público consolidado, mas com serviços ineficazes; uma indiferença coletiva sobre os problemas estruturais como a habitação, a saúde, a natalidade, o ensino ou a migração. Portugal continua um país que funciona “em piloto automático”, sem estratégia a longo prazo. Falha muitas vezes por falta de vontade, de visão e de coragem política. A indiferença tornou-se estrutural. Normalizámos o que devia ser escandaloso.
Não devemos cair na tentação do fatalismo. Portugal já superou desafios colossais: ditadura, isolamento, bancarrota. Mas é urgente romper com o conformismo, exigir mais dos que nos governam, e valorizar o pensamento crítico. Eça escrevia com humor e ironia, mas também com esperança de que a denúncia abrisse caminho à mudança!
Por isso, aqui fica a dica: que ninguém se deixe levar pela teoria de que, «se é assim há 150 anos, porque não deixar assim durante mais umas décadas?» ERRADO! Se tudo se repete, os erros, a corrupção, a preguiça, a falta de ambição, a indiferença, então não fazemos a diferença! Ainda vamos a tempo de despertar e de lutar por um país melhor, através da história e das lições que nos deixam.
Se hoje, 150 anos depois, as suas palavras ainda nos servem como espelho, então talvez seja hora de deixarmos de rir da atualidade que ele adivinhou... e começarmos a fazer diferente.
Alexandra Nepomuceno escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.