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Artigo de Opinião

silviamariamata@gmail.com

18/12/2022 08:00

O molho-picante consiste em picar muito bem picadinha a cebola, colocá-la em vinagre, juntar sal, mostarda e pimenta da terra. Minha mãe juntava caré e pimenta moída preta. Depois, levar ao lume o preparado e quando levantar fervura, apagar logo. Pode ser servido como se servem as azeitonas, os tremoços, os picles. Tem de ser comido de colher ou de garfo de sobremesa e guardado num frasco de vidro. É bom! Há quem o coma misturado com arroz. Minha tia Vera um dia contou-me que quando ela era criança e meu pai já andava para casar em São João de Latrão com minha mãe, no dia do fogo, ela vinha com a família para a casa de meu avô Sousa para ver aquele espetáculo de cores a rebentar na baía, ali mesmo aos nossos pés. Meu avô fazia petiscos para receber as visitas, entre eles, o dito molho-picante, que era posto num pires em cima da mesa para as pessoas se irem servindo com uma colherzinha ou um garfinho. Naquele tempo, nas famílias pobres, não havia muitos talheres nem muitos copos, e ninguém se fazia esquisito, que era feio. O licor passava de mão em mão sempre servido e provado no mesmo copito. Com esta iguaria exclusiva de São João de Latrão era igual, o garfito ou a colherzinha servia para todos. Ora, minha tia Vera, que era criança, queria provar daquela cebola amarela a cheirar tão bem, mas nunca se atreveu, porque a colher era sempre a mesma para tantos e meu avô Sousa servia-se com tanta gula do molho-picante que deixava as pontas do bigode cor de mostarda e ela tinha nojo! Anos mais tarde, pela festa, quando nós íamos a casa da avó do Palheiro Ferreiro, meu pai levava um frasquinho de molho-picante como presente e eu espero que a tia Vera tenha finalmente saboreado bem aquele petisco. Sempre lembra à Festa!

Outra recordação da Festa é o licor de putinha da tia Elvira. Toda a gente gostava e a tia oferecia-o a quem chegasse! O senhor Alvarinho, o nosso carteiro, também gostava do licor da putinha e quando ele passava a distribuir as cartas pela vereda abaixo, a tia Elvira ia ao caminho de garrafa e copito na mão para lho oferecer! Quem lhe deu a receita foi uma rapariga da Casa de Bordados que usava umas minissaias muito curtas e pintava muito os olhos. A receita perdeu-se, mas a tia Elvira sabia-a de cor, levava macela e mel e um dia meu pai meteu-se a fazê-lo, porque a tia Elvira, quase nos restos da vida, já não se importava com nada! O licor pronto, ela espevitou-se, quis prová-lo e chagou a cabeça a meu pai que não era assim! Sempre lembra à Festa!

Ainda outra lembrança da Festa é a senhora Bega com um braçado de cedro para oferecer a minha mãe para enfeitar a jarra da cozinha e minha mãe a dizer que não queria, porque sujava a jarra, era preciso lavar e aquilo era trazer mato para dentro de casa! Verdade ou mentira? Menos mal que ambas riam! Sempre lembra à Festa.

Uma grande memória da Festa é o senhor Padre Sá da igreja da Boa Nova! Nunca mais encontrei uns olhos que olhassem para os nossos na hora da comunhão como os olhos do senhor Padre Sá! Na missa do Galo, a igreja enchia-se da sua voz cantada e cantando. Depois da missa, era ver slides sobre a vida de Jesus no salão de folha de zinco pintada de verde atrás da igreja! E no fim, voltar a casa a pé com o frio e o sono a pingar. Sempre lembra à festa!

Agora, o que lembra à Festa, a verdadeira Festa do Menino Jesus? É preciso pensar!

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