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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

2/05/2025 08:00

A primeira coisa que o padre superior fez quando regressou do hospital, horas depois do assalto, foi informar que ia despedir os guardas que estavam de serviço naquela noite. Eram cinco e foram todos apanhados a dormir, cada um no seu posto. O único que estava mais ou menos acordado foi brutalmente agredido pelos assaltantes e depois fugiu. Por outro lado, os bandidos não eram vinte, como diziam os guardas, mas sete. Está visto que, ao serem surpreendidos no meio do sono e dos sonhos, contaram não apenas os bandidos, mas também as respetivas sombras e mais algumas, incluindo as suas.

Os quatro guardas que não conseguiram fugir foram amarrados e levados para a sala da televisão, na casa principal da Missão. Os assaltantes tiveram a gentileza de ligar o televisor, embora sem som, num canal que estava a transmitir um documentário sobre astrofísica, para que os reféns se distraíssem um pouco. Depois, iniciaram o assalto propriamente dito.

A casa principal desenvolve-se ao longo de um corredor, num estilo clássico das missões em África. Do lado direito, fica a área de serviço, incluindo a capela, o refeitório e a sala da televisão. Do lado esquerdo, ficam oito quartos, ocupados pelos residentes da Missão e também por hóspedes de passagem, como era o caso do meu amigo Kayros.

Os bandidos arrombaram a pontapé a porta do quarto n.º 1, precisamente onde se encontrava o meu amigo Kayros e tiraram-no de lá à força. Como ele estava com os pés bem-postos no reino do sono, que é muito pantanoso, ficando uma pessoa facilmente presa nos seus lodos, com tendência a escorregar cada vez mais para baixo, não foi capaz de reagir e, quando deu por si, estava amarrado, bem amarrado mesmo, a ver televisão juntamente com os quatro guardas.

Os bandidos passaram ao quarto n.º 2, onde encontraram um noviço a tremer de medo na casa de banho. Levaram-no manietado para a sala da televisão, onde ele engrossou o número de telespetadores e depois avançaram para o quarto n.º 3, que era o quarto do padre principal, mas decidiram deixá-lo para o fim, optando por deitar abaixo a porta do quarto n.º 4, que estava desocupado, pois o padre que ali morava tinha saído em viagem.

Foram depois ao quarto n.º 5 e encontraram um padre descamisado e perplexo, pois até então julgara que os estrondos provinham de uma tempestade. Pegaram nele e foram arrombar o quarto n.º 6, mas repararam que a porta estava entreaberta, não sendo por isso necessário fazer uso da força. Lá dentro, deram com uma hóspede vietnamita, uma senhora dos seus 60 anos, pequenina e magrinha, que lhes fez uma vénia (aquela vénia oriental) e logo de seguida ofereceu-lhes delicadamente todo o dinheiro que possuía, o telemóvel e o computador portátil.

Em jeito de agradecimento, os assaltantes meteram ali o padre descamisado e perplexo do quarto n.º 5, que assim ficou trancado na companhia da senhora vietnamita enquanto o assalto prosseguia.

Arrombaram o quarto n.º 7 e tiraram de lá outro hóspede que também foi amarrado e posto a ver televisão (eram já sete os telespetadores do documentário sobre astrofísica). Estranhamente, esqueceram-se do quarto n.º 8, que fora o meu quarto no decurso dos três anos em que vivi na Missão e onde, naquela noite, estava hospedado um alto funcionário do governo da província da Zambézia. Ou seja, se eu ainda lá vivesse teria escapado ileso. Em África, digo-vos, isto não é pouca coisa. É uma sorte do caraças!

Os bandidos arrombaram, no entanto, a porta da casa de banho comum, que fica em frente do quarto n.º 8, no lado direito do corredor, uma coisa estapafúrdia que não serviu para nada, a não ser para estragar a porta, pois aquela é uma simples casa de banho comum e não tem lá nada de valor, a não ser o espelho onde quem entra se vê.

Por fim, foram arrombar o quarto do padre superior. Agrediram-no e obrigaram-no a abrir o cofre e sacaram muito dinheiro. Depois, arrastaram-no através do vasto pátio ao luar até ao edifício da secretaria. Levaram também o dinheiro que ele tinha no escritório e deixaram-no ali amarrado numa cadeira. A seguir, pegaram no melhor do carro da Missão e fugiram.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

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