Durante grande parte da minha vida, nutri uma profunda admiração pelos Estados Unidos. Quando era criança, via-os como os “bons da fita”, os heróis que atravessaram o Atlântico para salvar a Europa do totalitarismo nazi. Via neles a força das instituições, o respeito pela lei e uma fé inabalável na democracia. Eram o país onde até um presidente em exercício podia ser obrigado a demitir-se por ter mentido - como Nixon —, ou onde um candidato como Al Gore aceitava, com dignidade, uma decisão polémica do Supremo Tribunal sem apelar à violência.
Os Estados Unidos pareciam ser o farol moral e institucional do mundo livre. Saídos das ruínas da Segunda Guerra Mundial, lideraram a construção de uma ordem internacional baseada em regras, criando instituições como as Nações Unidas, o Banco Mundial, o FMI, a OCDE, a NATO, o Tribunal Internacional de Justiça. Defenderam o livre comércio, a democracia e os direitos humanos. Não sou ingénuo e sei que muitas vezes infringiram as próprias regras que criaram — como na Segunda Guerra do Golfo —, e amiúde se comportaram como uma potência imperialista, mas, ainda assim, o sistema que ajudaram a erguer trouxe o mais longo período de paz e prosperidade da história moderna.
E então apareceu Donald Trump. No início, recusei acreditar que o país que eu tanto admirava pudesse eleger um homem abertamente boçal, ignorante, autocrático e cruel. Ainda assim, o seu primeiro mandato revelou a força dos “checks and balances”, pois, as instituições contiveram os seus impulsos autoritários e alguns membros do seu governo actuaram como travão. Mas tudo mudou após a derrota eleitoral. A tentativa de golpe com a invasão do Capitólio mostrou o quão frágil era a democracia americana, e o quão vulnerável às mentiras de um homem que nunca aceitou perder.
Pensei que esse episódio o tivesse condenado ao oblívio político. Enganei-me! Um Congresso dominado pelo medo vergou-se diante dele. Senadores e deputados republicanos, que sabiam bem quem era Trump, preferiram a covardia à verdade. Abraçaram teorias da conspiração desmentidas até pelo Supremo Tribunal, dominado por juízes ultraconservadores. E, para meu espanto, o partido de Lincoln passou a idolatrar autocratas como Viktor Orbán, símbolo da destruição do Estado de direito na Hungria.
A noite das últimas eleições foi o golpe final. Vi, incrédulo, Trump regressar ao poder com uma maioria clara. Como pôde o país que durante décadas me inspirou escolher novamente este homem tão perigoso, mentiroso compulsivo e inimigo declarado da democracia liberal?
O seu regresso já começou a corroer o sistema internacional erguido após 1945. Trump desdenha dos aliados, ameaça instituições multilaterais, elogia ditadores e sabota políticas globais de ajuda e desenvolvimento. A América que um dia representou esperança tornou-se um factor de instabilidade.
Talvez o erro tenha sido meu, por ter confundido o ideal com a realidade. Mas a verdade é que o sonho americano, esse farol de liberdade, racionalidade e liderança moral, apagou-se. Hoje, olho para os Estados Unidos com a mesma perplexidade com que um filho adulto descobre que o pai que venerava afinal é capaz de tudo o que lhe ensinaram a desprezar.