MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Jornalista

8/05/2025 08:00

Noutros tempos a fiabilidade de eletricidade não era como nos dias de hoje.

De vez em quando a rede ia abaixo.

Por vezes era apenas no sítio ou na freguesia. Isso acontecia com alguma frequência.

Não era o pânico, mas recordo-me que era uma grande chatice. Quando isso acontecia, vínhamos logo para a estrada, para ver se era só lá em casa que faltava a luz ou se o corte era geral. Quando a luz demorava a voltar, telefonava-se para a empresa de Eletricidade da Madeira. A resposta era quase sempre a mesma: “houve um problema, mas a equipa já está no terreno”. E nós acreditávamos.

Esperávamos. A luz voltava quando tivesse de voltar.

Outra solução era aguardar que o problema se resolvesse e tentar remediar a situação lá em casa. Pior era quando estávamos a ver algum programa na televisão o que provocava uma enorme desilusão.

Nesse tempo não se falava em “apagão”. Hoje diz-se “apagão”, como se fosse uma tragédia moderna. De resto nem lembro de ouvir esse termo. Era apenas uma simples falha de rede que provocava a falta da luz.

Enquanto isso acontecia havia que improvisar. Lá em casa havia sempre alternativas previamente preparadas. Havia sempre um candeeiro à mão, um “olho-de-boi” e velas. Todas estas alternativas estavam devidamente preparadas. Havia uma gaveta na cozinha onde se guardava tudo isto. Já se sabia onde estava.

Quanto faltava a luz, lá íamos nós aos “apalpões” à procura da gaveta certa.

Depois era aguardar à luz das velas ou do candeeiro a petróleo. O tempo de espera era variado. O problema resolvia-se por norma em pouco tempo, mas por vezes levava horas. Sabíamos que a luz regressava quando o frigorífico recomeçava a fazer aquele zumbido baixo, ou quando o interruptor ficava ligado e a luz se acendia. E havia os vizinhos. À noite, via-se luz a tremeluzir nas mãos as velas ou os candeeiros a petróleo. Perguntava-se: “Já têm luz?”. E mesmo que a resposta fosse “ainda não”, sentia-se um certo consolo em saber que ninguém estava sozinho na escuridão.

A mercearia seguia a sua rotina durante o dia, mas à noite, quando a luz se ia, o bar da mercearia ganhava outro ritmo e por norma até encerrava mais cedo.

Em casa a solução era ir para a cama mais cedo. Porque a escuridão era convite ao descanso, e não havia muito mais a fazer.

Hoje, tudo é diferente. A eletricidade sustenta quase tudo. Quando falha, o portão não abre, a bomba de água deixa de funcionar, o fogão elétrico recusa-se a colaborar. Já não temos paciência, nem soluções. Corremos a carregar telemóveis, a verificar sistemas, a tentar manter tudo a funcionar à força.

Há listas oficiais de kits de emergência — lanternas LED, baterias, power banks, rádios manuais. Mas o nosso “kit”, naquele tempo, era outro: as velas na gaveta, o candeeiro a petróleo, o rádio a pilhas que continuava a dar sinal quando tudo o resto parava, a vida no campo que nos dava os alimentos — couves, batatas, ovos — e um tacho ao lume. E isso bastava. Era simples, era seguro, era vida.

A infância ensinou-me que a falta de luz era só uma pausa. Uma mudança de ritmo. Hoje, é quase um colapso. Não porque falte a luz, mas porque perdemos a capacidade de viver sem ela. Já não aquecemos água num tacho, não temos lume a lenha, nem tempo para esperar.

E talvez seja esse o verdadeiro apagão: não o da eletricidade, mas o da luz que havia em nós. A calma. A confiança. A simplicidade. Agora, quando tudo se desliga parece ser o fim do mundo.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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