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Artigo de Opinião

3/01/2020 08:00

Um mau enredo que, subitamente, nos fechou em casa, transformando uma banal ida ao supermercado numa espécie de aventura de alto risco, com receio de um bicharoco desconhecido e perigoso, por entre hordas de zombies descerebrados, açambarcadores de papel higiénico.

Quem não mantinha boas relações com a higiene básica descobriu a importância de utilizar diária e diligentemente água e sabão; uma nova estirpe de água-benta veio substituir a que foi retirada das igrejas: o álcool-gel, responsável pela ablução de pecados virais de todas as ímpias palmas de mão; os rostos passaram a ser parcialmente cobertos por máscaras reais, tornando desnecessárias as que antes se usava para disfarçar as emoções e encarar os outros; gradualmente, deixámos de nos poder tocar, abraçar e beijar - a distância tornou-se medida de segurança. Para muitos, foi impulso para a (re)descoberta do contacto virtual e digital, para tantos outros foi um fosso escavado nas margens da exclusão; a reclusão e a solidão, de mãos dadas, cobraram um preço elevado e ceifaram vidas.

Enquanto milhares de pessoas se viam confrontadas com um palavrão que desconheciam (lay-off, um anglicismo que, para tantos, foi prenúncio e antecâmara de desemprego), outros tantos cidadãos menos expostos às vicissitudes do mercado de trabalho reinventaram-se como padeiros, pasteleiros e chefs, com clara vantagem para os nóveis fazedores de pão. Veio a provar-se que os fermentos de que mais carecíamos, como o espírito de grupo, a solidariedade, a consciência social e a confiança nas instituições, não faziam parte da equação.

Mesmo assim, estaríamos muito melhor entregues aos padeiros de ocasião que aos inúmeros epidemiologistas, virologistas, infecciologistas, constitucionalistas e toda a plêiade de especialistas que saíram debaixo de obscuras pedras, tomando de assalto o Facebook. Que nem cogumelos, multiplicaram-se as teorias da conspiração e os negacionistas (ao contrário daqueles fungos, estes falsos heróis do teclado são todos venenosos).

Mas, então, não há nada de valor para retirar de 2020?

1 - Actividades como andar a pé, passear o cão, correr ou andar de bicicleta ganharam estatuto de direitos fundamentais, retirando efectivamente muitos "rabos" dos sofás;

2 - Para muito boa gente, 2020 foi uma oportunidade para recolocar o foco na família e em todos os valores que lhe estão associados. Às vezes, é preciso um abanão para abrir os olhos ao essencial;

3 - Como nunca, passou-se a valorizar o trabalho dos profissionais de saúde, os tais que estão na linha da frente deste combate;

4 - As adopções de animais de estimação subiram em flecha, um pouco por todo o planeta, durante os períodos de confinamento e quarentena;

5 - Donald Trump perdeu as eleições e vai sair de cena; o seu sucessor, em princípio, não é um demónio alienígena pedófilo e canibal, que nos vai enfiar chips de 5ª geração no recto, em sinistra maquinação orquestrada por Gates, Soros e Cia. Lda.;

6 - Os níveis de poluição desceram drasticamente. Consequência involuntária da desaceleração económica ou não, certo é que duplicou o grau de compromisso na redução das emissões de carbono, no que parece ser um avanço significativo da consciência ambiental global;

7 - A poliomielite foi considerada erradicada do continente africano. Quando tanto se fala nesta nova doença, é bom saber do desaparecimento de uma das antigas;

8 - Foi anunciada a descoberta de uma cura para o VIH;

9 - Há uma nova e promissora vacina contra o cancro. Um passo importante no combate à doença que mais tememos e que mais nos mata;

10 - Finalmente, não nos esqueçamos que a vacina contra a COVID-19 é o resultado de uma cooperação global sem precedentes entre nações, indústria farmacêutica e comunidade científica, que não deixará de ter consequências e servir de exemplo para o futuro.

É quanto me basta para manter a fé na Humanidade. Feliz Ano Novo!

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