Esta semana o país e o mundo ficaram em choque com a morte de dois jovens. Por acaso jogadores de futebol, por acaso conhecidos, mas não por acaso filhos de alguém, pais de alguém, companheiros de alguém, amigos de muitos. E aqui o que não é por acaso é o denominador comum que nos une na nossa mais que profunda humanidade. Essa humanidade que tem um começo e um fim, e que, por vezes, finaliza de forma inesperada e brutal.
Olhar a morte de frente é sempre um abismo que nos coloca num futuro comum. A perda é um sentimento que nos assalta e assombra. A perda dos que gostamos, a perda da vida que tantas vezes esquecemos que terá um fim, que tem um fim que nos espera.
A morte será sempre essa coisa indizível, inaceitável, o que não tem sentido.
Há uns dias, encontrei uma entrevista de Woody Allen em Cannes, onde o confrontaram com a pergunta sobre o seu posicionamento em relação à morte. A resposta veio no habitual tom de Allen: “continuo a ser completamente contra”. A afirmação reduz, na sua simplicidade e ironia, o nosso sentir comum. Todos somos, de alguma forma, completamente contra esse fim que é a morte. É um ser contra que não altera nada, que não nos coloca a salvo, que não nos isola. Muito pelo contrário, agudiza a perceção de um inevitável contra o qual nada podemos fazer, mas em relação ao qual exerceremos sempre uma incompreensão ativista, um desconforto visceral, um esquecimento como método de continuarmos a encontrar um sentido na vida quotidiana, mesmo perante o fim certo, mesmo perante o fim inesperado, mesmo perante o fim que nos une a todos.
A morte do Diogo e do André dói a todos não apenas pelo que é, pela morte inesperada de dois jovens, mas também porque a morte pode surgir no meio da felicidade extrema, no meio da vida ainda inteira por viver, no meio da normalidade de uma viagem, no meio de escolhas que se fazem sem prever o resultado, no meio do quotidiano comum, demasiado comum.
O Diogo Jota tinha casado há semanas, o Diogo tinha filhos pequenos, uma mulher que amava, o Diogo tinha sonhos e talento, uns pais que se orgulhavam dele e do irmão. Era tudo excecional e, ainda assim, foi brutalmente levado por uma dessas banalidades e inevitabilidades gerais como a morte.
E, na verdade, a vida de qualquer um de nós, a vida dos que nos são próximos, a vida de todos é feita de excepcionais. Mas, lá no fundo, por detrás do que nos parece infinito, está essa banalidade geral que é a morte e que, na sua banalidade, é a brutalidade para a qual nunca estaremos preparados, em relação à qual seremos sempre completamente contra, em relação à qual teremos sempre o coração desprotegido. E será sempre assim, mesmo que saibamos do inevitável.
Leio Roberto Juarroz: “Enquanto fazes qualquer coisa/alguém está a morrer. Enquanto puxas lustro aos sapatos, /enquanto odeias, /enquanto escreves uma longa carta (...)/ E ainda que estivesses a morrer, /alguém mais estaria a morrer, /apesar do teu legítimo desejo/ de morrer num minuto com exclusividade. / Por isso, se te perguntam pelo mundo, /responde simplesmente: alguém está a morrer.”
Mas, ainda assim, ainda que o poema seja do mais real, nunca será fácil aceitar, nunca será fácil perceber.