MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

6/06/2025 08:00

Meia hora depois de ter aterrado na Madeira, vindo de Dakar, via Lisboa, começou a doer-me o pescoço e esse foi o primeiro sinal de que as férias estavam no fim, embora ainda faltasse mais de uma semana para terminarem. Esta dor no pescoço, sempre do lado esquerdo e com ramificações para a cabeça, as costas e o braço, é talvez a mais significativa das minhas dores residentes e misteriosamente só ocorre quando me encontro aqui, agudizando-se à medida que me afundo na rotina e a rotina se afunda em mim. Estão a ver o género? Penso que sim. A gente faz tudo e mais alguma coisa para acabar com a dor, seja ginástica, corrida, bebida, pastilhas, consultas médicas, análises, rezas, bruxaria, sexo, festas, horas e horas de televisão, horas e horas de internet e de redes sociais, mas o diabo da dor nunca desaparece. Antes pelo contrário, cresce e permanece. Puta que a pariu!

Há três semanas, porém, o estupor da dor foi esmorecendo conforme me aproximava do Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo. É sempre assim... Depois, em Lisboa, deixou mesmo de existir. Dois dias mais tarde, quando cheguei ao Senegal, dela já não havia memória nem lembrança. Dor no pescoço?! Qual dor no pescoço qual carapuça! O terceiro mundo requer uma atenção redobrada, mesmo em férias, de modo que ali não há tempo nem pachorra para dores burguesas e caprichosas.

Tudo começou com nós os dois – a Pat e eu – sozinhos num transfere às duas da manhã por ruas escuras e tenebrosas entre o Aeroporto Blaise Diagne e a região de Saly Portudal, onde ficava o nosso alojamento. Os poucos turistas que viajaram no mesmo avião foram todos juntos para um lado e nós para outro, de modo que pelo caminho assaltou-nos, em segredo, a sensação de que estávamos a ser conduzidos para o inferno ou, na melhor das hipóteses, para um lugar manhoso, até que uma hora depois chegámos ao maravilhoso Hotel Royam, com quartos em forma de palhota, a praia em frente e todas as comodidades ao dispor. Além disso, éramos os únicos hóspedes portugueses.

No primeiro dia, depois do pequeno almoço, saímos para espreitar os arredores e bastaram dois passos para sermos abordados por vendedores de artesanato, taxistas e organizadores de excursões, entre os quais se destacou um tipo chamado El Hadji, o qual pedia que o tratássemos por LG, para facilitar, como as televisões, dizia ele, e encaminhou-nos por umas ruas de terra batida, onde carroças puxadas por burros circulavam entre carros e motas e as casas estavam todas inacabadas, parecendo que iam desabar a qualquer momento. Eu caminhava ao seu lado, ao passo que a Pat ia um pouco atrás, com ar desconfiado, a pensar que o gajo nos conduzia para uma armadilha. Ele percebeu a situação e parou para dizer que não tivéssemos medo.

– O Senegal é um lugar de paz – dizia ele. – Nós gostamos dos turistas!

Nisto, chegámos a casa de um tipo que organizava excursões e vendia artesanato e ele apresentou-nos à família, dizendo umas coisas em inglês, outras em francês, outras em wolof, a língua do país, e fez-nos sentar numa roda com outros homens, enquanto preparavam um chá de hortelã para nos oferecer, e ele ia explicando os vários passeios que poderíamos fazer a bom preço.

– Se pagares a mim, o dinheiro fica no Senegal. Se pagares no hotel, o dinheiro vai para a Europa – dizia ele.

Depois, notando a inquietação da Pat, que já me tinha dito que não beberia o chá, por causa da água, e que claramente pensava que nos iam assaltar, estando também impressionada com a compleição dos indivíduos, todos possantes e mais altos do que eu, ainda por cima muçulmanos, o gajo procurou serená-la, dizendo coisas com graça.

– Mulher boss! – Disse ele. – Vê-se que foi ela que organizou a viagem ao Senegal.

O chá estava pronto a servir. Eu bebi. A Pat provou e disse que estava muito doce. Era uma desculpa para não beber o resto, mas os gajos decidiram fazer outro para ela sem açúcar e foi cá uma luta para o evitar sem ofender a sua hospitalidade, sendo que, de repente, já nos tinham metido dentro de uma loja de artesanato e insistiam que regateássemos o preço dos objetos e a nossa cabeça começou a andar à roda, assim como se vê nos filmes quando os personagens entram em cenas de choque cultural, mas correu tudo bem, tão bem que agora a dor no pescoço se agrava a cada dia que passa.

E as férias ainda não acabaram...

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