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Artigo de Opinião

Jornalista

13/02/2025 08:00

Em Santana, o Carnaval começava muito antes da terça-feira gorda.

Nos meus tempos de infância, esta era uma das festas mais aguardadas. Era uma festa diferente, única, sobretudo pelo que encerrava.

Havia muita sátira e muito folguedo popular.

As “hostilidades” arrancavam muito antes do dia de Carnaval. Primeiro a quinta-feira das comadres e depois a quinta-feira dos compadres. Na primeira eram os homens que se chegavam à frente para gozar com as mulheres. Na segunda era a vez das comadres. Em ambos os casos não faltavam foguetes de assobio. Eram momentos de pura diversão com muita sátira em alguns casos mordaz e por vezes a roçar mesmo a ofensa pessoal. Aproveitavam-se estes dias para as comadres gozarem com os compadres e as comadres fazerem o mesmo aos compadres. Grande parte da “ofensiva”, circulava através de versos, sempre atrás do anonimato e dirigidos a quase tudo o que era figura pública da freguesia e até mesmo do concelho. Nos dias de hoje isso ainda acontece, mas já recorrendo às novas tecnologias.

Picardias à parte, era o início do ciclo carnavalesco, o momento em que a freguesia inteira se unia para dar vida a uma celebração carregada de sátira, humor e tradição.

O compadre e a comadre eram os protagonistas. Feitos de palha, trapos e chapéus velhos, estas figuras não eram apenas bonecos, mas símbolos de uma crítica social mordaz. Entre risos e aplausos, representavam personalidades da freguesia, figuras públicas ou até vizinhos – ninguém escapava ao humor da comunidade. Cada detalhe era pensado para arrancar gargalhadas e deixar histórias para contar durante semanas. Era normal nestes dias ver-se estes bonecos dependurados em árvores e em locais de grande visibilidade.

O ponto alto da celebração era o cortejo alegórico, onde a comadre gigante e o compadre anão desfilavam pelas ruas da vila. Uma cena que permanece viva na minha memória é a do compadre a subir uma escada para dar um beijo à comadre, simbolizando de forma humorística as relações entre homens e mulheres.

Após o cortejo, seguia-se o julgamento da comadre e do compadre. Este “tribunal” carnavalesco era o ponto alto da festa, onde acusações, reais ou inventadas, eram apresentadas com um sarcasmo que fazia rir e pensar. A comadre e o compadre sentados numa posição de escárnio, eram “acusados” de todos os males que aconteciam na freguesia e no final, eram pendurados e queimados por entre risos e aplausos da multidão. Era a forma que a comunidade tinha de brincar com os erros, as diferenças e até os excessos do quotidiano. Era crítica, mas também era união.

Hoje, ao recordar, sinto que a Festa dos Compadres era muito mais do que uma festa – é uma memória coletiva, um reflexo da nossa história, um retrato vivo na nossa cultura, uma manifestação de criatividade, uma celebração daquilo que nos torna únicos.

Com o andar os tempos a festa manteve-se, mas a forma genuína como era encarada noutros tempos, de certa forma foi-se perdendo.

O julgamento ainda mantém esse espírito, mas no resto talvez seja tempo de afinar melhor a festa para que não se transforme em mais um carnaval qualquer que existe em vários pontos da região.

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