Esta semana ficou marcada pela presença do Dr. José Pedro Aguiar-Branco na Região Autónoma da Madeira. A visita do Presidente da Assembleia da República teve uma importância simbólica inegável — palavras de reafirmação da coesão nacional, de respeito pelo modelo autonómico e de fortalecimento de pontes entre o Parlamento da República e o Parlamento madeirense. Um gesto com valor institucional e político, sobretudo num ano em que se iniciam as comemorações dos 50 anos da Autonomia.
Mas, por muito que o simbolismo pese, a Madeira já não vive de gestos. A Autonomia não é um adereço cerimonial para ser exibido em momentos solenes — é uma conquista que exige compromisso. E o verdadeiro teste do compromisso não está nas palavras, mas nos atos.
Evocar meio século de Autonomia é um momento de orgulho e de memória. Mas deve ser também um instante de avaliação crítica. O que fizemos com a Autonomia que conquistámos? O que ainda falta cumprir? A Autonomia é um instrumento vivo e não um troféu de museu — deve servir para transformar a vida dos madeirenses, para garantir igualdade, justiça e dignidade.
Por isso, não basta ao Estado central reconhecer a importância da Madeira. É preciso agir. Rever a Lei das Finanças Regionais com equidade. Renegociar a dívida pública da Região com o mesmo critério que serviu para aliviar a TAP e a Carris. Garantir um verdadeiro modelo de mobilidade que não trate os madeirenses como fiadores do próprio Estado.
Hoje, um pai madeirense com dois filhos a estudar em Lisboa precisa de adiantar 800 euros para poder ter a família reunida no Natal — quando a lei lhe reconhece o direito a pagar apenas 59 por estudante. E um doente que viaje mensalmente para tratamentos no continente continua a pagar 400 euros por bilhete, esperando semanas pelo reembolso. Isto não é continuidade territorial. É desigualdade institucionalizada.
O Governo Regional conhece o problema, sabe que existem soluções — como o pagamento direto do valor real do bilhete — mas continua a aceitar a inércia, fingindo que o problema está resolvido porque “há uma plataforma”.
A solução existe — como em Canárias e em outros arquipélagos europeus — mas falta vontade política. E quando falta vontade, sobram desculpas. O mesmo sucede com o Ferry. Durante anos, prometeram uma ligação marítima regular de passageiros e carga. O compromisso chegou a estar inscrito em Orçamento de Estado. Hoje, reduz-se a mais um “estudo técnico”. Outro. Dez anos depois, continuamos à espera de um navio que nunca parte, porque o Governo Regional já se habituou a navegar na retórica. Como se a dignidade de uma Região pudesse continuar adiada ao sabor dos calendários eleitorais.
A verdade é que o desprezo pelo potencial da Madeira continua. O Centro Internacional de Negócios é tratado como um estigma, em vez de ser encarado como uma oportunidade de diversificação económica. Perante a desvalorização constante do Estado, esperava-se uma reação firme, uma exigência clara de estabilidade e competitividade. Mas em vez de confronto político construtivo, o que se vê é um Governo Regional a contentar-se com elogios protocolares e fotografias de ocasião.
O mesmo padrão repete-se em áreas essenciais. O silêncio sobre o segundo helicóptero de emergência prometido. A ausência de pressão eficaz sobre os mais de 60 milhões de euros que o Estado deve à Região pelos subsistemas de saúde. As garantias dadas, as promessas esquecidas e uma submissão que envergonha a história da Autonomia.
É nesta encruzilhada que se mede a verdadeira estatura política de um arquipélago. Não nos bastam discursos inflamados em sessões solenes nem promessas recitadas em nome da coesão nacional. A Autonomia não é um favor concedido por Lisboa nem uma herança de conveniência — é uma conquista do povo madeirense, e as conquistas defendem-se de pé, nunca de cabeça baixa.
O Orçamento de Estado para 2026 mostrou, mais uma vez, que o Estado central continua a olhar para a Madeira como um apêndice distante, e não como parte integrante da nação. O discurso pode ter sido autonomista, mas a prática mantém-se centralista.
E se é verdade que o Estado continua a falhar com a Região, não é menos verdade que o Governo Regional se tem resignado ao papel de espectador complacente, preferindo repetir as narrativas de Lisboa a exigir as soluções que a Madeira merece.
A Autonomia não se protege com comunicados de circunstância, mas com firmeza política. E firmeza é aquilo que tem faltado. Porque quando o Orçamento de Estado para 2026 ignora as principais reivindicações da Região — e o Governo Regional reage com satisfação e declarações de “cumprimento do acordado” — estamos perante um retrocesso político e moral.
Onde está a ousadia de quem outrora ergueu a voz perante a indiferença do continente? Hoje, parece prevalecer a complacência, o cálculo e a conveniência partidária.
A Madeira não pede favores — exige respeito. E respeito significa garantir igualdade de oportunidades, mobilidade justa, finanças equilibradas e voz efetiva nas decisões nacionais. Se a Autonomia nasceu da coragem de quem acreditou que os madeirenses tinham o direito de decidir o seu destino, então cabe-nos agora reafirmar essa coragem.
Porque a Autonomia não se celebra apenas — exerce-se. E exercer a Autonomia é ter a coragem de enfrentar o centralismo de Lisboa e a complacência do Funchal, dizendo, alto e claro: a Madeira não quer palavras — quer compromissos reais.