Não vos venho falar seguramente sobre Paris, mas gostaria de dizer duas ou três coisas sobre a justiça administrativa.
O presente ensaio dividir-se-á em três partes. E, nessa medida, a título de antelóquio, interessa destacar que o nosso olhar é o de um Advogado que exerce a sua atividade profissional, exclusivamente na jurisdição administrativa, na perspetiva da representação do Estado em juízo, ou seja, através do patrocínio judiciário de uma empresa pública.
Dito isto, a questão prévia que se impõe apreciar é esta: Por que motivo a justiça administrativa está narcoléptica?
Nós respondemos: há uma falta de investimento público, gritante, no setor da justiça - e com isso atingiu-se a degradação absoluta do equipamento judiciário, que serve os próprios cidadãos.
E isto porque, quanto às infraestruturas dos tribunais administrativos ("TAF’s"), o Relatório de Atividades do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, relativo ao ano de 2020, referiu que existe uma necessidade de mudança de instalações de alguns TAF’s (v.g. TAF de Braga; TAF de Mirandela) e que, noutros casos, urge adaptar as instalações às necessidades dos serviços (v.g. TAF de Penafiel).
No que tange ao TAF do Porto, que alberga os vários juízos de competência especializada, o predito Relatório diz ainda que: "As instalações correspondem medianamente às necessidades dos serviços". Há, portanto, uma inadequação da maioria das instalações para o exercício da função jurisdicional.
Embora, claro está, possam existir honrosas exceções (instalações do TAC de Lisboa; TAF de Castelo Branco), a verdade é que, por vezes, a justiça administrativa parece ser o rebotalho do sistema de justiça português - na verdade, aí, o exercício da faculdade de julgar opera-se, não raro, sem salas de testemunhas, sem salas (dignas) para os advogados, sem gabinetes (dignos) para os magistrados, com salas de audiências que não possibilitam o devido distanciamento social. Mais: Será admissível que, com o movimento processual nos TAF’s a recrudescer, os magistrados da jurisdição administrativa só possam contar com uma sala disponível para as diligências, uma vez por semana? Claro que não! Assim, não há equipa de recuperação de pendências que resista…
No entanto, é justo consignar que, também de acordo com o antedito Relatório, e, no que respeita ao TAF do Funchal, "[o] espaço [é] [considerado] adequado e suficiente".
Aliás, a justiça administrativa na Madeira reveste-se de uma importância colossal, razão pela qual se deve continuar a conferir dignidade ao equipamento judiciário; às magistraturas; à advocacia especializada em direito administrativo; aos funcionários judiciais e, sobretudo, aos cidadãos, pois "[os] tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça [em nome do povo]". (cf. art.º 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro).
À guisa de conclusão, engrosso a insinuação de esperança manifestada pela Sr.ª Juíza Desembargadora Dr.ª Dora Lucas Neto: "A verdade, porém, é que, aqui tendo chegado, não podemos deixar de acreditar ser ainda possível e de modo consequente, melhorar a justiça administrativa." (cfr. A justiça administrativa em Portugal: diagnóstico presente e perspetivas futuras / coord. Tiago Serrão e Marco Caldeira, Lisboa, AAFDL, pág. 164).