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Artigo de Opinião

Na antiga Grécia o demagogo era o chefe de fações populares, ou seja, era o líder, o ‘condutor’ do povo. Era um vocábulo de boa reputação associado ao exercício de um cargo nobre e honrado, por pessoas nobres e honradas, sem qualquer conotação depreciativa. Era quem o povo seguia. Mas com o tempo a natureza humana veio ao de cima - o poder corrompe dizem - e a novela mudou de enredo. E demagogo virou um palavrão. Já Aristóteles, na sua obra "A Política", conotava a demagogia com o uso corrente da adulação e o mau uso da oratória para conquistar o público. Era o adulador do povo. E é na democracia que estes aduladores mais florescem.

Longe de ser perfeita, a democracia é ainda o sistema que melhor serve os cidadãos, enquanto seres livres e autodeterminados, onde todos podem participar de igual forma e com o mesmo valor na construção societária, elegendo dos seus aqueles que sejam considerados pela maioria como os que reúnem as melhores condições para governar as lides do coletivo. Mas a democracia tem de ser acarinhada, protegida e, acima de tudo, ensinada, porque na realidade, o que a maioria das pessoas tem ancestralmente embrenhado no seu ADN é a vontade subliminar de seguir o alfa. É uma questão de sobrevivência. Daqui depreende-se a importância que o tipo de alfa assume na condução dos destinos da sua tribo.

Os demagogos aproveitam-se das fraquezas do sistema para alcançar os seus fins. Seja a dominação tirânica sobre um povo. Seja a implementação de políticas que protegem interesses de minorias sobre o bem-estar da maioria. Seja o uso populista da emoção das massas ou a exacerbação das suas paixões para a condução de uma população a um determinado fim particular. Seja a conquista do favor popular através da manipulação, da mentira e das falsas promessas a gente comum. Seja qual for a meta proposta, o demagogo utiliza infinitos meios para aproveitar a ignorância do povo e converter essa ignorância em apoio à sua causa, jogando uns contra outros, fomentando ódios e capitalizando da discórdia. São inúmeros os exemplos ao longo da história da humanidade. Bons e maus. Mais maus que bons. Com ações e discursos que estão por detrás das maiores atrocidades cometidas ao próximo.

Das poucas armas que possuímos contra a demagogia é a crítica. Não a ofensa pessoal e o escárnio ou mal dizer da personagem, mas a crítica consciente, construtiva, elaborada e mordaz. Porque a crítica esbarra contra qualquer estratégia, colocando-a em causa. Quando a crítica procura esclarecer, denuncia falhas ou irregularidades, promove alternativas ou soluções, quando envolve os outros, expõe a careca ao demagogo vazio de conteúdo. Mas ter esta capacidade de pensar, de criticar, exige quase um ato contra-natura, exige conhecimento, aprendizagem, entendimento e consciência. Exige ler para além das linhas, para além do título. Exige a confirmação das fontes, o fact-check, pensar fora da caixa. E exige respeito, pelo trabalho, pelo esforço, pelas ideias diferentes. E a paciência para testar e aguardar os resultados. Ninguém disse que era fácil. Mas só assim conseguimos identificar os charlatões e, em plena consciência, fazer melhores escolhas.

Mas com a expansão das redes sociais, da velocidade da (des)informação e da "democracia da voz", surgiu um novo paradigma. E mais uma vez a novela mudou o rumo. Se antes o demagogo era aquele que procurava o apoio do povo para liderar e influenciar esse mesmo povo, hoje a demagogia transferiu-se da identificação individual para uma espécie de entidade coletiva que procura influenciar aqueles que são eleitos para liderar. Hoje é o povo que é o demagogo. Somos todos nós na crítica fácil e desinformada. Somos todos nós que exigimos rigor e transparência nas lides públicas, mas não enjeitamos um jeitinho aqui e uma borla acolá. Somos todos nós, ao abrigo do anonimato e da cobardia, que não damos a cara à luta e à defesa das opiniões e denegrimos tudo o que é contrário à nossa visão e interesse. Somos todos nós que desvalorizamos as prevaricações, os incumprimentos e os seus autores. Somos todos nós que não cumprimos com os nossos deveres sociais e desconsideramos os mecanismos que fazem funcionar saudavelmente uma democracia. E que sujeitamos os nossos líderes às tendências da moda ditadas pela voz popular desregulada, sob pena da sua substituição.

Indiscutivelmente tem de haver coragem para combater a demagogia e o populismo, que são dois dos mais perigosos adversários da democracia. Mas este combate só se trava com seriedade, informação, responsabilização, sensibilização e educação. E percebendo, como canta Lena D’Água, que demagogia feita à maneira é como queijo numa ratoeira. Só que agora, o povo é a ratoeira...

Luís Miguel Rosa escreve
ao domingo, de 2 em 2 semanas

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